Historicamente, o simples ato de cochichar em público sempre foi falta de educação —que segredos alguém teria que não pudesse partilhar conosco? E falar com a mão na boca só podia significar que a pessoa era desdentada ou tinha mau hálito. Hoje, a mão na boca está liberada. É usada para que se possa cochichar à vontade sem que os enxeridos façam a leitura labial do que se está dizendo.
É possível a qualquer amador traduzir em voz alta um palavrão ou uma interjeição grosseira que se esteja vendo sem som —às vezes, o próprio gestual do dedo em riste ou das mãos à cabeça já diz tudo. Mas como entender frases inteiras, complexas, principalmente quando são emitidas por pessoas com dicção horrorosa, como Bolsonaro e Lula, que só deviam falar com legendas?
Não me consta que, entre os seus incontáveis profissionais qualificados, o Brasil disponha de legiões de técnicos em leitura labial. Eu próprio já fui apresentado a ventríloquos, intérpretes em 12 línguas e até pessoas capazes de assobiar óperas inteiras, mas nunca a um leitor labial. E quantos estarão assistindo àquela mão na boca naquele exato momento? E, se entenderem tudo, o que poderão fazer?
Ainda mais porque, ao ver autoridades cochichando com a mão na boca, não precisamos de leitura labial para saber que estão tramando algo contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente.Ruy Castro
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