segunda-feira, 15 de abril de 2019

Chefetes e chefículos incríveis

Eles são incríveis. Prefeito, governador, presidente da República. São incríveis. O Rio desaba numa enxurrada sem limites e um dos gestores locais acha que foi mais um episódio corriqueiro, o outro se omite de qualquer responsabilidade e diz que chuva é com o município. O chefe federal não manda sequer um tweet de solidariedade. Dois prédios desmoronam numa favela da cidade e outra vez nada se ouve do chefão. O chefete local argumenta que tentou sem sucesso impedir as obras, enquanto o chefículo estadual acusa o municipal de leniência.


Os três são culpados. Por vezes sua responsabilidade se dá porque a autoridade fez mal sua obrigação. Foi o caso das chuvas. Prefeitura e governo estadual desprezaram avisos, não gastaram e não trabalharam como manda a lei. Outras ocorrem por causa da sua omissão. Este é o problema dos prédios que desabaram na favela da Muzema. Todo mundo na vizinhança sabia que aqueles prédios haviam sido construídos mal e porcamente pela milícia e por seus aliados. O GLOBO revelou que apartamentos de inúmeros prédios irregulares são oferecidos para venda em sites da internet.

Todo mundo sabia, menos as autoridades. Onde andam nossas autoridades? Morreram oito pessoas e 17 estão desaparecidas. Poderiam ter morrido 30, 40, 50 ou mais. Os apartamentos ainda estavam sendo ocupados, já que as obras não tinham acabado. E quem constrói essas porcarias? As construtoras de fundo de quintal contratadas pelas milícias e que certamente usam material de baixa qualidade, com mais areia do que cimento e ferro, com fundações inadequadas, sem arquiteto e sem engenheiro. E, claro, sem fiscalização.

Na questão da ocupação urbana da cidade, o ausente é o prefeito Marcelo Crivella. O mesmo prefeito que acusou a TV Globo de fazer campanha contra ele porque a emissora cumpriu com o seu dever, mandando repórteres cobrir a primeira tragédia, a das chuvas. E expulsou uma repórter da coletiva. Crivella, além de ridículo e equivocado, nada fez durante seus dois anos e pouco de mandato contra a ocupação irregular de matas e morros da cidade.

Há anos, há duas décadas pelo menos, sabe seque as milícias disputam o controle das favelas do Rio como tráfico de drogas. E a luta é a ferro e afogo. Os moradores das áreas dominadas pelas milícias vivem em estado de guerra e sob eterna vigilância. Nada se faz, nada se constrói, ninguém trabalha se não pagar pedágio para a milícia. Até o morador que resolver montar um carrinho de pipoca terá de pagar uma diária para o miliciano. No caso da pipoca, são R$ 15 por dia. Sabe-se que a milícia faz gato de luz, água, telefone, internet; que vende gás. Todos esses serviços e produtos são mais caros na milícia do que no mercado. Eles são os donos das comunidades. Subjugam as comunidades.

E o que faz o poder público? Nada. O responsável por impedir que áreas inteiras da cidade sejam dominadas por homens armados de fuzis e metralhadoras é o governador. O mesmo governador que acusou a prefeitura de leniência. “Tem que ir lá e tirar de forma impositiva. Tem que ser rigoroso”, disse Wilson Witzel. E o que faz o governo do estado, que tem o poder policial, contra as milícias? Nada. A polícia além de fornecer quadros, por vezes parece aliada às milícias. O problema do governador e do prefeito, ou talvez a sua desculpa, é que o exemplo de tolerância com o crime organizado vem de cima.

O presidente Jair Bolsonaro já se aliou a milícias. Ele chegou a defender um miliciano assassino em discurso na Câmara. Seu filho, senador Flávio Bolsonaro, tinha amigos e familiares de milicianos contratados em seu gabinete na Assembleia Legislativa, enquanto ocupava uma cadeira de deputado estadual. O famoso Fabrício Queiroz se refugiou no berço da maior milícia do Rio, em Rio das Pedras, quando seu nome apareceu no escândalo dos desvios de salários no gabinete do chefe. Flávio deu medalhas para milicianos.

São esses homens que devem combater a milícia em suas diversas modalidades de crime pelos próximos quatro anos, no caso do Estado e da União. Ou por mais um ano e oito meses (ufa), no caso do município do Rio. Você acredita que depois do desmoronamento dos dois prédios da Muzema, com o clamor popular que se seguiu, o problema será resolvido por esses senhores incríveis?

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