As primeiras manifestações dos coletes amarelos na França agitaram a sociedade e mereceram cobertura internacional. Agora já só inquietam os turistas desavisados.
Habituamo-nos a tudo. Quando a violência se transforma numa rotina, tendemos a ignorá-la. Se acordar a meio da noite, em Luanda ou no Rio de Janeiro, com o pipocar de uma arma automática, viro na cama e volto a dormir. Se isso acontecer em Lisboa, contudo, já não durmo mais. Telefono aos amigos. Ligo a televisão para saber se está em curso um golpe de Estado.
É porque nos habituamos à violência — em todas as suas múltiplas formas, da pobreza à destruição do patrimônio natural, passando pelo machismo, o racismo, a estupidez de alguns políticos ou a deselegância arquitetônica — que esta se torna tão difícil de vencer.
Pensemos em Donald Trump, por exemplo. Os americanos habituaram-se aos disparates do seu presidente, tolerando nele afirmações e comportamentos que teriam ferido de morte política, e atirado para o mais remoto dos degredos, qualquer um dos seus antecessores. Conseguem imaginar George H. W. Bush ou Barack Obama a proferir uma daquelas frases inacreditáveis sobre a relação entre homens e mulheres com as quais Trump se imortalizou? Pois é, eu também não consigo.
E é este o perigo: terminarmos aceitando o inaceitável, pela força do hábito. Porque a princípio Donald Trump até era engraçado. Porque um palhaço é inofensivo. E depois, porque é o estilo dele, um tanto rude, mas direto; porque fala a linguagem do povo; porque uma vez no poder irá moderar a linguagem e rodear-se de conselheiros sábios etc...
Só há uma alternativa: a revolta. Isso, contudo, implica repensar utopias, criar redes de pensamento e de debate, ocupar as ruas. Bem sei, defender a democracia dá uma trabalheira danada. Mas, se não for agora, amanhã pode ser demasiado tarde.
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