Nas últimas semanas, denúncias envolvendo uso de candidaturas de fachada pelo PSL na eleição do ano passado levaram à queda de Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral do Governo da Presidência, e à abertura de investigações para apurar o envolvimento do atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no esquema.
Agora, pesquisa das professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, revela a dimensão do uso de laranjas para burlar a lei de cotas femininas e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de exigir que os partidos destinem 30% dos recursos do fundo de campanha para candidaturas femininas.
A palavra "laranja" costuma ser empregada para retratar alguém que assume uma função no papel, mas não na prática. Na definição usada pelas duas pesquisadoras, um candidato laranja seria um candidato de fachada - que entra nas eleições sem a verdadeira intenção de concorrer, mas para servir a outros interesses.
As pesquisadoras dizem acreditar que as candidaturas laranjas, além de burlar a lei de cotas, servem para que recursos do fundo de campanha sejam repassados a candidatos homens.
Segundo o levantamento de Gatto e Wyllie, 35% de todas as candidaturas de mulheres para a Câmara dos Deputados na eleição de 2018 não chegaram a alcançar 320 votos. Ou seja, foram candidatas que, ao que tudo indica, sequer fizeram campanha, o que sugere que foram usadas apenas para cumprir formalmente a lei de cotas.
O estudo também mostra que, 20 anos após a introdução da lei de cotas, em 1998, pouco se avançou na representatividade de mulheres na Câmara. De 1998 a 2018, o percentual de deputadas passou de 5,6% para 15%. "Ainda é um percentual muito baixo, o menor da América Latina, empatado com o Paraguai", destacou Gatto, em entrevista à BBC News Brasil.
Em vez de "cumprir o espírito da lei", que é aumentar o número de mulheres no Legislativo, os partidos passaram a usar cada vez mais laranjas para burlar a regra.
Das candidatas do PSL para a Câmara dos Deputados, 16% podem ter sido "laranjas" - na definição usada pelas duas professoras. Partidos da oposição também apresentaram número significativo de candidatas sem expressão. No caso do PT, o percentual foi de 11%.
E algumas legendas chegaram a ter mais de 30% de possíveis laranjas dentre as candidatas a deputada federal (confira a tabela mais abaixo na reportagem).
Entre os critérios adotados pelas pesquisadoras para uma candidatura ser classificada como laranja está receber menos de 1% dos votos obtidos pelo candidato eleito menos votado no Estado.
No caso das eleições de 2018, o deputado federal eleito menos votado de todo o Brasil foi o Pastor Manuel Marcos (PRB), do Acre, que recebeu 7.489 votos. Em São Paulo, o menos votado foi Guiga Peixoto (PSL), com 31.718.
Portanto, no Acre, para ser considerada laranja, uma candidatura precisa ter obtido menos de 75 votos. Em São Paulo, o critério é receber menos de 317 votos.
Mas o estudo não levou em conta apenas o número de votos para identificar o uso de "laranjas".
Para verificar se as candidatas femininas eram apenas pouco competitivas ou se estavam sendo usadas como laranjas, as duas pesquisadoras fizeram uma comparação entre a competitividade de candidatos homens e mulheres em cada partido, ao longo dos últimos 24 anos.
Gatto e Wyllie descobriram que, enquanto a proporção de candidatos homens não competitivos permanece estável, a de candidatas mulheres aumenta significativamente à medida que a lei de cotas femininas é reforçada, por exemplo, com punições mais severas pelo TSE aos partidos que não alcançam a cota de 30%.
Ou seja, os partidos passaram a indicar mais mulheres como candidatas, mas apenas para "constar" e evitar que fossem punidos por não cumprirem o percentual mínimo.
"O que os números mostram é que não é uma questão de competitividade, porque, de 1998 a 2018, as candidaturas laranjas de mulheres aumentam muito como resposta às mudanças na lei de cotas. E a quantidade de candidaturas não competitivas de mulheres é muito desproporcional na comparação com as dos homens", explicou Gatto, em entrevista à BBC News Brasil.
A professora da University College London afirma que, em grande parte dos casos, as "laranjas" são mulheres filiadas aos partidos que concordam em ter o nome registrado na eleição e sabem que a candidatura não é "real".
Ou seja, estão cientes de que não haverá qualquer empenho da legenda ou recursos para que seja eleita. Muitas aceitam com a promessa de serem candidatas efetivas na eleição seguinte.
"Há casos de mulheres que nem sabiam que eram candidatas, mas são mais raros. Geralmente elas sabem que integram a lista, concordam em ter os dados utilizados para o partido cumprir com as cotas e têm ciência de que não estão competindo", afirma Gatto, que é doutora em política pela Universidade de Oxford e pós-doutora pela Universidade de Zurique, na Suíça.
Nem todas as candidaturas laranjas apontadas pela pesquisa foram, necessariamente, usadas para desviar recursos do fundo partidário para candidatos homens, como teria ocorrido no suposto esquema de candidaturas de mulheres do PSL em Minas Gerais.
Segundo reportagem do dia 4 de fevereiro da Folha de S.Paulo, quatro candidatas a deputada federal pelo PSL-MG receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha, sendo que pelo menos R$ 85 mil foram destinados a empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores do atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que era presidente do PSL em MG e foi o deputado federal mais votado no Estado.
Conforme a reportagem, as quatro mulheres do PSL receberam, juntas, apenas 2 mil votos. Álvaro Antônio nega irregularidades.
"Você pode ter candidaturas laranjas para burlar a lei de cotas e ter candidaturas laranjas que servem, também, para receber recursos do fundo de campanha e repassá-los a candidatos homens", explica Gatto.
Ela concentrou sua pesquisa no primeiro caso, mas defende que as candidaturas de mulheres que receberam poucos votos e muitos recursos do fundo partidário sejam alvo de fiscalização pelo TSE.
"A discrepância é um indicativo de que algo não está certo."
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