"O lixo é uma narrativa sobre os pequenos hábitos cotidianos de uma sociedade, é reflexo do que somos e do que temos", afirma a pesquisadora.
Desde fevereiro de 2018, ela faz escavações no aterro sanitário mineiro, separando os resíduos sólidos aterrados de acordo com cada uma das décadas entre 1975 e 2007, ano em que o lugar foi desativado.
"É possível ver quando o plástico passou a substituir materiais como o vidro", afirma Amaral, se referindo ao final da década de 1970, quando as garrafas PET aparecem, e as retornáveis de vidro foram deixando de existir. Foi nessa época também que as fraldas descartáveis começaram a aparecer no lixo.
Outra revolução pode ser vista no lixo a partir da década de 1990, com uma avalanche de produtos descartáveis, embalagens e sacolas plásticas.
Amaral aponta que foi justamente nessa época que se iniciaram as importações brasileiras de produtos populares chineses. Incrivelmente baratos, os importados da China trouxeram para o Brasil um novo comportamento de negócio, de consumo e também de hábitos sociais, marcado pelo surgimento das lojas de R$ 1,99 em todo o país e pela formação de grandes camelódromos.
Se por um lado são mais acessíveis, por outro lado, os produtos de plástico geram um acúmulo de lixo difícil de ser resolvido. "Os resíduos plásticos que compõem esses produtos são muito resistentes. Vasculhando o lixo de décadas passadas, é possível encontrar plásticos da década de 70, aterrados há mais de 40 anos, ainda com marcas legíveis e muitos até com restos de alimentos preservados em seu interior", descreve Amaral.
Com a finalidades de substituir materiais encontrados na natureza usados na indústria, como o marfim, e permitir produções em grande escala e mais baratas, o plástico totalmente sintético foi inventado em 1909.
A partir de 1930, diversos outros plásticos foram criados, como poliéster, náilon, teflon, silicone, entre outros, para atender a inúmeras demandas de mercado do século 20. Foi o caso da invenção do disco de vinil e da fita cassete, que revolucionaram o mercado fonográfico; e do PVC, que barateou os processos da construção civil, por exemplo.
No Brasil, assim como em diversas outras partes do mundo, a adoção do plástico na indústria moderna também barateou bens de consumo, alterando o estilo de vida sobretudo da classe média.
"Popularizado no Brasil na década de 1950, com o estabelecimento da indústria de resinas termoplásticas, o plástico passou a ser empregado em peças que antes utilizavam madeira, vidro, tecido, papel, etc., em especial em bens manufaturados, de uso pessoal e doméstico, como brinquedos, calçados, utensílios domésticos, embalagens", explica Silvia Helena Zanirato, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) .
"Na década de 1950, o Brasil buscava uma imagem de país moderno, e os produtos fabricados com materiais plásticos foram tidos como mais práticos, modernos e acessíveis, ainda que menos duráveis", afirma.
Os novos produtos plásticos de consumo dominavam a propaganda na televisão da época. "As empresas que patrocinavam programas apresentaram esses produtos como componentes de um novo estilo de vida, de uma nova sociedade que se voltava agora para o consumo", aponta Zanirato.
Além dos inúmeros avanços, o plástico também trouxe diversos impactos ambientais. Apesar de muitos alertas sobre os efeitos sobre a natureza, a indústria do plástico ainda é uma das que mais crescem no mundo.
"Hoje, a produção mundial de plásticos está acima de 400 milhões de toneladas ao ano. Em termos comparativos, em 2012, a produção mundial era de 280 milhões de toneladas", afirma Luciana Ziglio, doutora em Geografia Humana pela USP, citando dados da ONU.
"O Brasil acompanhou esse crescimento, produzindo, somente em 2017, 6,4 milhões de toneladas de plásticos", compara a geógrafa. Atualmente, a indústria de transformação de plástico é um dos setores que mais emprega no país.
A fim de ilustrar como os benefícios do uso do plástico são relativos quando comparados aos estragos, o coordenador do Grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, Pedro Roberto Jacobi, chama atenção para a área da saúde.
Enquanto as resinas plásticas permitiram a criação de materiais hospitalares descartáveis, que reduzem os riscos de contaminação, o descarte irregular dos produtos plásticos ameaça a saúde pública.
"O acúmulo de resíduos plásticos nas cidades contribui para o aumento de enchentes urbanas, e eles servem de vetores de insetos e roedores, tendo reflexos tanto na degradação ambiental quanto na saúde pública", explica Jacobi.
Segundo o coordenador, o maior problema relacionado ao plástico no Brasil está associado ao seu uso excessivo e desnecessário, como as embalagens plásticas de baixo custo e os canudos, e ao descarte inadequado, principalmente em córregos urbanos, rios e praias.
De acordo com a Fiocruz, água parada em pequenos reservatórios, como vasos de plantas, calhas entupidas, garrafas e lixo a céu aberto são um dos principais criadouros do Aedes Aegypti, mosquito transmissor da febre amarela, chicungunya, zika e dengue no meio urbano.
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