quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O estilo teatral de Bolsonaro

Como diria Lula, nunca na história deste país um presidente trombou tantas vezes com seu próprio governo em tão pouco tempo. Não foram trombadas de conceitos, mas de fatos.

Ao contrário do que dissera, Bolsonaro nunca baixou a alíquota do Imposto de Renda nem subiu a do IOF. Como sempre acontece na história deste país tentou-se remendar o efeito das trombadas com juras de fé e coesão.

Em tese, o presidente vale-se de sua capacidade de comunicação, comprovada na construção de uma candidatura vitoriosa. Na vida real, campanha é uma coisa, governo é outra.


Novamente em tese, ele faz o que fez Donald Trump, dirigindo-se diretamente ao povo que gosta de ouvi-lo. Novamente na vida real, o estilo de Trump é irrelevante porque ele é acima de tudo um mentiroso. Calcula-se que minta cinco vezes por dia.

As curtas mensagens de Trump podem inspirar Bolsonaro, mas o meio não é a mensagem. Jânio Quadros comunicava-se por bilhetinhos que hoje enfeitam o folclore de sua Presidência, Ninguém ri dos adesivos de Winston Churchill ordenando “Ação, hoje”. Isso porque as coisas aconteciam.

As trombadas de Bolsonaro parecem-se mais com o “campo de distorção da realidade” do genial Steve Jobs. Misturando carisma e segurança, ele se julgava capaz de convencer as pessoas de qualquer coisa.

Bolsonaro pode ter convencido muita gente de que o Brasil precisa se livrar do socialismo, mas quem acreditou na necessidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente dentro da Agricultura enganou-se.

O “campo de distorção da realidade” pode funcionar na iniciativa privada, pois diante de um conflito o gênio prevalece ou vai embora.

Foi isso que aconteceu com Jobs em 1985, quando ele deixou a empresa que fundou. (Ele voltou à Apple em 1997, para um desfecho glorioso.) No exercício de uma Presidência, o negócio é outro. Trump ficou em minoria na Câmara e corroeu boa parte do prestígio internacional de seu país.

O governo de Bolsonaro tem três campos de distorção da realidade. Um está na segurança. A ação do crime organizado no Ceará mostrou que não existe pomada para tratar dessa ferida.

Outro fica no mundo dos costumes e tem funcionado como um grande diversionismo. O terceiro, aquele que parecia demarcado com a delegação de poderes ao posto Ipiranga, foi onde se deram as trombadas.

Isso porque os ministros Sergio Moro e Ricardo Vélez podem dizer o que quiserem. No mundo da economia a sensibilidade é imediata e por isso a primeira trombada teve que ser logo remendada.

A eficácia da teatralidade de Bolsonaro mostrou seu limite em menos de um mês. Isso aconteceu antes mesmo que o Congresso reabrisse seus trabalhos.

Dois presidentes deram carta branca a seus ministros da Fazenda. Num caso, com grande sucesso, Itamar Franco sagrou Fernando Henrique Cardoso.

No outro, com retumbante fracasso, o general João Figueiredo manteve Mário Henrique Simonsen no governo. Com o tempo viu-se que Itamar acreditou no que fez, enquanto Simonsen preferiu ser enganado. Não se sabe o que está escrito na carta branca de Paulo Guedes, mas essas cartas nada têm de brancas.

O simples murmúrio de que o secretário da Receita, Marcos Cintra, está na frigideira é um mau sinal. Ele deveria ter pensado duas vezes antes de botar a cara na vitrine desmentindo o presidente, mas o doutor estava certo, e Bolsonaro, errado.

Era uma questão factual, o decreto do IOF não havia sido assinado. Como ensinou o senador americano Daniel Moynihan, “todo mundo tem direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.
Elio Gaspari

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