Ao contrário do que dissera, Bolsonaro nunca baixou a alíquota do Imposto de Renda nem subiu a do IOF. Como sempre acontece na história deste país tentou-se remendar o efeito das trombadas com juras de fé e coesão.
Em tese, o presidente vale-se de sua capacidade de comunicação, comprovada na construção de uma candidatura vitoriosa. Na vida real, campanha é uma coisa, governo é outra.
Novamente em tese, ele faz o que fez Donald Trump, dirigindo-se diretamente ao povo que gosta de ouvi-lo. Novamente na vida real, o estilo de Trump é irrelevante porque ele é acima de tudo um mentiroso. Calcula-se que minta cinco vezes por dia.
As curtas mensagens de Trump podem inspirar Bolsonaro, mas o meio não é a mensagem. Jânio Quadros comunicava-se por bilhetinhos que hoje enfeitam o folclore de sua Presidência, Ninguém ri dos adesivos de Winston Churchill ordenando “Ação, hoje”. Isso porque as coisas aconteciam.
As trombadas de Bolsonaro parecem-se mais com o “campo de distorção da realidade” do genial Steve Jobs. Misturando carisma e segurança, ele se julgava capaz de convencer as pessoas de qualquer coisa.
Bolsonaro pode ter convencido muita gente de que o Brasil precisa se livrar do socialismo, mas quem acreditou na necessidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente dentro da Agricultura enganou-se.
O “campo de distorção da realidade” pode funcionar na iniciativa privada, pois diante de um conflito o gênio prevalece ou vai embora.
Foi isso que aconteceu com Jobs em 1985, quando ele deixou a empresa que fundou. (Ele voltou à Apple em 1997, para um desfecho glorioso.) No exercício de uma Presidência, o negócio é outro. Trump ficou em minoria na Câmara e corroeu boa parte do prestígio internacional de seu país.
O governo de Bolsonaro tem três campos de distorção da realidade. Um está na segurança. A ação do crime organizado no Ceará mostrou que não existe pomada para tratar dessa ferida.
Outro fica no mundo dos costumes e tem funcionado como um grande diversionismo. O terceiro, aquele que parecia demarcado com a delegação de poderes ao posto Ipiranga, foi onde se deram as trombadas.
Isso porque os ministros Sergio Moro e Ricardo Vélez podem dizer o que quiserem. No mundo da economia a sensibilidade é imediata e por isso a primeira trombada teve que ser logo remendada.
A eficácia da teatralidade de Bolsonaro mostrou seu limite em menos de um mês. Isso aconteceu antes mesmo que o Congresso reabrisse seus trabalhos.
Dois presidentes deram carta branca a seus ministros da Fazenda. Num caso, com grande sucesso, Itamar Franco sagrou Fernando Henrique Cardoso.
No outro, com retumbante fracasso, o general João Figueiredo manteve Mário Henrique Simonsen no governo. Com o tempo viu-se que Itamar acreditou no que fez, enquanto Simonsen preferiu ser enganado. Não se sabe o que está escrito na carta branca de Paulo Guedes, mas essas cartas nada têm de brancas.
O simples murmúrio de que o secretário da Receita, Marcos Cintra, está na frigideira é um mau sinal. Ele deveria ter pensado duas vezes antes de botar a cara na vitrine desmentindo o presidente, mas o doutor estava certo, e Bolsonaro, errado.
Era uma questão factual, o decreto do IOF não havia sido assinado. Como ensinou o senador americano Daniel Moynihan, “todo mundo tem direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.Elio Gaspari
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