Muita gente haverá de se questionar como, afinal, chegamos aqui. Como sempre, foram as circunstâncias, invariavelmente muito mais decisivas que os atores. Como disse Barack Obama quando da eleição de Donald Trump, o fato é que ele (Trump e agora Bolsonaro) percebeu algo que passou ao largo da atenção dos demais candidatos e forças políticas.
Independente da qualidade do diagnóstico que faz ou da efetividade da terapia que propõe, Bolsonaro percebeu desde muito cedo a importância de questões como segurança pública, o repúdio dos setores mais conservadores a costumes e estilos de vida liberais e libertários; como também soube expressar a crítica mais radical ao petismo, seja em relação à economia seja no tocante à ética.
No momento em que seus partidários comemoram, pouco importa a justiça dessas críticas ou a justeza de independência e autonomia em relação a isso tudo. Como num jogo de futebol, o choro é livre, mas o fato é que o juiz não assinalou as faltas reclamadas e, agora, o jogo acabou e o campeão vestirá a faixa.
Para os que ficam surpresos ou decepcionados, nada há fazer a não ser fiscalizar diligentemente para que o próximo presidente e seus companheiros mantenham-se nos limites da lei e que tenham boa sorte e competência para resolver os graves problemas do país. Seria assim, do mesmo modo, caso Haddad fosse eleito. Democracia é assim.
Os desafios do novo residente não serão poucos. E o primeiro deles será amenizar sua imagem, reduzir medos e resistências; agir como presidente de todos os brasileiros. Sejam eles brancos ou negros, homens ou mulheres, hetero ou homossexuais, bolsonaristas ou petistas. Colocar-se acima dos conflitos que ele mesmo estimulou.
Sua obrigação maior e mais urgente é unificar a nação, não permitir que a arrogância da vitória ou a dor e o ressentimento da derrota fragmente ainda mais o estilhaçado tecido político e social. E que o faça com civilidade, nos limites da lei e do respeito à diversidade.
Seu desafio não será, portanto, apenas indicar o “Posto Ipiranga” para que governe em seu lugar. Paulo Guedes pouco poderá fazer sem o suporte da política, sem a confiança da nação. Nada é mais prejudicial à economia do que um ambiente personalista, cheio de incertezas. O que a economia quer são instituições críveis, eficientes e democráticas. Ao novo presidente caberá transmitir essa certeza.
E o primeiro passo será conter seus radicais — desafio de todo novo grupo que chega ao poder. Depois, esquecer o passado e evitar qualquer sentimento ou ação de desforra. O que se ganhou não foi a presidência ou o país, mas a responsabilidade de governa-lo, mantendo-o unido. Novamente, o mesmo serviria para Haddad.
O segundo desafio será estender a mão à oposição, compreendendo que fiscalizá-lo será seu papel e esperando que o faça de modo limpo, sem boicotes que prejudiquem o país. Para a oposição, vida que segue. No mais, construir a maioria parlamentar nos parâmetros e princípios prometidos durante a eleição: sem concessão fisiológica.
No calor da eleição isso tudo é muito difícil. Menos ainda a euforia inicial poderá comprometer o caminho que ainda será trilhado. Comedimento e moderação, qualidades que o novo presidente jamais demonstrou serão tão necessárias quanto o ar que se respira. O país não pode terminar asfixiado por suas diferenças e seus diferentes grupos.
Superadas as ressacas da vitória e da derrota, os próximos dias serão fundamentais para que se perceba a disposição de todos. Mas, o certo é que, se ao perdedor cabe a aceitação da derrota, ao vencedor cabe a grandeza de compreender a fragilidade de toda vitória.Carlos Melo
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