sábado, 27 de outubro de 2018

A mentira é tão velha quanto a política, mas ganhou novos meios

Mentir na política não é algo novo. Pelo contrário: para muitos filósofos a política é o principal espaço para a propagação de inverdades. Assim eleições já foram definidas, e guerras foram iniciadas ou justificadas, em governos democráticos ou em ditaduras. Só que agora a mentira ganhou novos meios – e com a velocidade que ela chega, ela se espalha.

Nas eleições deste ano, os brasileiros estão vivendo isso na prática, e a Justiça Eleitoral admite não saber o que fazer com as chamadas fake news. Enquanto órgãos que deveriam controlar apenas acompanham, quase passivamente, a enxurrada de informações duvidosas, as empresas que servem de meio para essas mensagens enxugam gelo ou dão respostas insuficientes.


O professor de ética e política Milton Meira do Nascimento, do Departamento de Filosofia da USP, explica que a mentira está presente na política desde a Grécia antiga, mas a forma como o espaço político lida com esse discurso mudou com o tempo, e ele perdeu os meios para contradizer uma informação falsa.

"O mundo da política é o lugar do debate e da persuasão, desde a Grécia Antiga. Existia a mentira, mas também um espaço para a argumentação, onde essa mentira era combatida. Quando a democracia moderna, já na formação do Parlamento inglês no século 19, passa a ser construída pela representação política, em vez de se discutir propostas, a política ficou centrada nas pessoas. Assim se perdeu o espaço de debate", diz o professor.

Nascimento lembra ainda que é justamente a falta de um espaço de debate que contribui para problemas atuais, como as notícias falsas difundidas em redes sociais.

"Na filosofia, o ideal socrático assume o compromisso de ir atrás da verdade, de investigar a verdade debatendo e conversando de forma saudável. Sócrates afirma que a busca pela verdade é um processo, mas para isso é preciso um espaço de debate, algo que não ocorre nas redes sociais. No Whatsapp, as pessoas querem apenas uma mensagem rápida, o fluxo só tem um sentido", afirma Nascimento.

Na história recente há diversos escândalos de mentiras orquestradas por governos. Um dos mais emblemáticos do século 20 foi o de informações sobre a Guerra do Vietnã omitidas pelo governo dos EUA. Em 1971, o jornal The New York Times publicou matérias sobre a real participação americana na guerra. A série de reportagens ficou conhecida como Papéis do Pentágono.

Meses depois, a filósofa alemã Hannah Arendt escreveu o artigo Mentira na política: reflexões sobre os Papéis do Pentágono para tratar sobre o tema. "A veracidade nunca esteve entre as virtudes políticas, e mentiras sempre foram encaradas como instrumentos justificáveis nesses assuntos", escreve Arendt.

O caso americano também é citado por André de Macedo Duarte, diretor da agência internacional da UFPR e professor de filosofia da mesma instituição. Ele lembra que ditaduras e democracias abrigaram mentiras.

"O nazismo alemão, o fascismo italiano e o stalinismo soviético utilizaram meios de comunicação para reescrever a história ou para difundir um clima de terror e ódio. Isso também ocorreu nas democracias, quando se descobriu que havia um conjunto de mentiras e histórias distorcidas sobre o Vietnã", comenta.

Voltando a Arendt, ela menciona no artigo sobre os Papéis do Pentágono a forma como não apenas quem recebe a mentira acredita na informação, mas também quem a produz. Isso faz parte do campo da imaginação, explica a filósofa alemã. Ainda no século 4, o filósofo do cristianismo Santo Agostinho já tratava sobre a crença na mentira.

"Dizer uma coisa falsa não é mentira se alguém a crê verdadeira ou se tem opinião formada de que é verdadeiro aquilo que diz", escreveu Santo Agostinho na obra Sobre a mentira: De Mendácio.

Duarte reforça essa questão da crença de quem replica uma informação falsa ao tratar sobre os tempos atuais.

"A produção da mentira exige certa plausibilidade. Não adianta dizer simplesmente que hoje marcianos vão invadir o Brasil porque não cola. É preciso levar em consideração a realidade social e o contexto político para mentir. Por exemplo, o antissemitismo não foi inventado pelo nazismo, ele já estava na Europa. Tinha apenas uma característica diferente na Alemanha, mas existia também em outros países. O antipetismo também não foi criado nesta eleição, já havia um passado de insatisfação com o partido que governou o país nos últimos anos devido aos escândalos da Lava Jato e a economia ruim", explica o professor da UFPR.

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