Falando para uma plateia de juízes, Barroso empilhou decisões do Supremo que favoreceram minorias e grupos vulneráveis. Citou a validação da Lei Maria da Penha, a interrupção da gravidez em casos de fetos anencefálicos, o direito ao aborto no primeiro trimestre da gravidez, o reconhecimento da união homoafetiva e as cotas para negros e deficientes em universidades. De repente, o ministro engatou na sua lista a minoria dos corruptos, insinuando que ela também é beneficiária da suprema proteção.
Barroso solidarizou-se com os juízes que prendem os corruptos libertados posteriormente por decisões superiores. “Sou solidário com quem se dispõe a fazer esse trabalho. Ele é difícil, tem um custo pessoal alto, mas a história está do nosso lado. Há uma velha ordem sendo transformada. Essa é a minha convicção. Os aliados da corrupção no Brasil fazem um discurso libertário, quando na verdade é uma leniência com uma velha ordem e uma cultura de desvio de dinheiro público.”
As palavras de Barroso chegam nos últimos dias de um mês em que seu desafeto Gilmar Mendes frequentou o noticiário como uma espécie de libertador-geral da República. Soltou uma dezena de presos. Enviou ao meio-fio, por exemplo, Hudson Braga, secretário de Obras do multicondenado Sergio Cabral, ex-governador do Rio. Soltou também Carlos Miranda, principal operador de Cabral.
Gilmar mandou para casa Milton Lyra. Vem a ser um lobista ligado a caciques do MDB do Senado —todos investigados em inquérito sobre desvios no Postalis, o fundo de pensão dos Correios. Na sequência, Gilmar estendeu o habeas corpus a outros quatro presos enrolados no mesmo caso: Marcelo Sereno, ex-secretário nacional de comunicação do PT; Adeilson Ribeiro Telles, do Postalis; Carlos Alberto Valadares Pereira, do Serpro; e Ricardo Siqueira Rodrigues, operador financeiro.
Outro beneficiário de um alvará de soltura expedido por Gilmar foi Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Trata-se de um suspeito de intermediar o recebimento de propinas destinadas a políticos do PSDB de São Paulo. De resto, o ministro mandou abrir as celas do empresário Sandro Alex Lahmann e do delegado Marcelo Luiz Santos Martins, ambos enrolados em inquérito que apura irregularidades no sistema prisional do Rio de Janeiro.
A rivalidade entre Barroso e Gilmar costuma eletrificar as sessões do Supremo. Eles integram turmas diferentes. Barroso tem assento na Primeira Turma. Mais rigoroso no julgamento de pedidos de habeas corpus, esse colegiado foi apelidado de “Câmara de Gás”. Gilmar compõe a Segunda Turma, cuja generosidade no deferimento de pedidos de liberdade inspirou a denominação de “Jardim do Éden.” A divergência entre os dois magistrados aflora no plenário da Suprema Corte.
Num dos embates que travaram em plenário, no dia 26 de outubro de 2017, Barroso e Gilmar escancararam as visões distintas que cultivam sobre a prisão de integrantes da minoria dos corruptos. Estava em julgamento uma ação sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará. Ao votar, Gilmar criticou a forma como o Rio de Janeiro, Estado de origem de Barroso, aplicava dinheiro de terceiros depositado na Justiça para pagar dívidas discutidas em processos pendentes de julgamento.
Abespinhado com a menção ao Rio, Barroso mencionou o Mato Grosso, Estado de Gilmar, “onde está todo mundo preso''. Gilmar indagou: “E no Rio não estão?” Barroso emendou: “Nós prendemos, tem gente que solta.” Seguiu-se um bate-boca que pode ser revisto no vídeo abaixo. A certa altura, irritado, Barroso foi à canela de Gilmar: “Não transfira para mim essa parceria que vossa excelência tem com a leniência em relação à criminalidade de colarinho branco.”
Noutro ponto, Gilmar respondeu: “Quanto ao meu compromisso com o crime de colarinho branco, eu tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui o presidente do STF que foi, inicialmente, quem liderou todo o mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais.”
E Barroso: “Vossa excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de direito, é Estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário.” No discurso deste sábado, Barroso disse coisas muito parecidas, com outras palavras: “Os aliados da corrupção no Brasil fazem um discurso libertário, quando na verdade é uma leniência com uma velha ordem e uma cultura de desvio de dinheiro público.” Além de Barroso, participaram do encontro de juízes em Maceió outros três ministros do Supremo: a presidente Cármen Lúcia, o vice-presidente Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.
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