Relações de patronagem-clientelismo no Brasil
Em 1966, Eric Wolf publicou um estudo sobre parentesco, amizade e relações patrono-cliente nas sociedades complexas. Ele inspira análises, em várias vertentes, sobre a organização sociopolítica deste país, porque está enraizada aqui uma postura de misturar o público com o privado e o pessoal com o profissional, comprometendo, severamente, a economia, a cidadania e as aspirações de cada brasileiro. Ficam expostas também as sórdidas entranhas do tecido social, com os ardis para a dominação permanente de algumas autoridades sobre multidões, mantendo privilégios que são transferidos para seus filhos ou fiéis seguidores.
Esse grupo assume o controle do Estado a partir de enriquecimento ou por aproximação de veneráveis lideranças que lhe cedem espaço quando não têm herdeiros à altura, cobrando os mesmos princípios ideológicos e as mesmas táticas de dominação para controlar familiares, empregados e eleitores. Mostram sua crueldade ao submeter o parente pobre, o vizinho simplório e o barnabé, desestimulando cada um para empenhar-se nos estudos e no trabalho, ao oferecer vantagens na administração pública, desde que usem os cargos em benefício de seu protetor e partido. Daí, a necessidade de que haja milhares de vagas por recrutamento amplo, desmerecendo os servidores concursados, que não terão chance de ascensão funcional se mantiverem independência em relação aos políticos controladores da repartição. Promove-se, assim, acomodação generalizada dos jovens para lutar por postos de trabalho pelos próprios méritos, porque contam com seus pais para assediar lideranças regionais, que manipulam o preenchimento dos cargos, sem considerar, necessariamente, o perfil profissional dos candidatos à função. Aliás, preferem os curingas ou figuras sem muita firmeza em suas habilidades, porque são mais facilmente controlados.
Muitos brasileiros tornam-se, daí, peças no xadrez do loteamento das inúmeras vagas da máquina pública para atender, futuramente, as determinações de seus patronos. Cria-se, então, uma via de mão dupla: o favorecido precisa cumprir ordens de quem lhe concedeu o emprego, enquanto os donos do poder impõem suas condições, mesmo quando são ilegais, cobrando-lhes lealdade eterna.
Não há interesse em mudar essa estrutura, que viceja em todas as organizações deste país, desde os ministérios até os cargos auxiliares em presídios e escolas públicas. As corporações privadas não ficam imunes a esses conchavos, pois o processo de preenchimento de vagas está imbricado na rede de relações sociais de chefias intermediárias.
A lamentável sessão do Supremo Tribunal Federal do dia 22 mostrou isso muito bem, porque todos os ministros foram nomeados pela Presidência da República, poucos tiveram experiência na magistratura, gozam de estabilidade funcional até a aposentadoria sem passar por escrutínio popular, agem como autoridades individualizadas e não prestam contas à sociedade, instância maior do Estado democrático.
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