domingo, 11 de março de 2018

Funcionalidade criminosa

Há três facções no Rio de Janeiro, grandes compradoras de armas pesadas em virtude dos entreveros entre elas ou de cada facção com as forças policiais. O CV foi criado dentro de prisão federal em 1977, para assegurar aos assaltantes de bancos, enquadrados na Lei de Segurança Nacional, respeito à sua integridade física, ameaçada por prisioneiros ou por agentes do Estado. Depois, passaram a cobrar contribuição dos assaltantes que estavam na rua como garantia de respeito na prisão. Só em 1986 perceberam que havia outra atividade criminosa mais lucrativa e contínua (tráfico de drogas) e que traficantes já haviam iniciado uma corrida armamentista para proteger as bocas de fumo nas favelas. Começaram então a aliciá-los para o CV, espalhando o controle territorial pela cidade. Só que o dono da boca se estabeleceu no local onde cresceu, onde conhecia e era conhecido pelos vizinhos, ou seja, era “cria” da favela. Esse caráter de pequeno negócio local, no varejo das drogas, baseado nas relações de reciprocidade dentro ou entre favelas, vai marcar as facções cariocas que nunca chegaram a ser empresas modernas.

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O PCC foi fundado em 1993, também dentro da prisão, usando o mesmo lema e código de conduta do CV. O recrutamento, ao contrário, se deu pela indicação de um membro que se tornaria o “padrinho” do novo adepto, como na máfia italiana. O PCC logo assumiu um caráter empresarial com complexa hierarquia de decisões, em diferentes setores de atuação (sintonia geral e final, sintonia dos gravatas, uma sintonia para cada crime, uma sintonia para cada estado da Federação, sintonia dos presídios subdividida por unidades, sintonia do PCC no Paraguai e na Bolívia). No código atualizado, qualquer pessoa que prejudique os negócios do crime, ou por traição ou por incompetência, recebe um “salve”, tem o seu caso discutido nas sintonias a que está conectada e será punida com a morte. Apenas os casos mais difíceis de decidir chegam até a sintonia geral final, que dá a permissão para matar ou expulsar.

Foi assim que o PCC ajudou a controlar a taxa de homicídios em SP, tornando-se uma organização mais eficiente e capaz de monitorar as ações de seus membros. Além disso, enquanto o tráfico de drogas permaneceu durante muitos anos como o negócio do CV, complementado por assaltos feitos por iniciativa pessoal, o PCC coordenou várias atividades criminosas, tais como tráfico de armas e de drogas no atacado, roubo de cargas, roubo a bancos, assaltos milionários a carros forte e transportadora de valores, explosão de terminais eletrônicos. Essas ações espetaculares e de grande apropriação de dinheiro são motivo de orgulho dos que se aliam ao PCC e escrevem nas várias páginas de notícias das facões na internet. Mais claramente contra o Estado e as empresas, foram se espalhando por outros estados da Federação, acompanhando a expansão do PCC.

A partir de 2010, houve aumento crescente do roubo de cargas, que passou de 12.300 nesse ano para 17.500 em 2014, e também do prejuízo dado às empresas: R$ 800 mil em 2010, R$ 1 bilhão em 2014. Em 2011, os casos no RJ (3.073) eram menos da metade dos casos de SP (6.958). Em 2014, segundo a Firjan, 48% dos roubos de carga ocorreram em SP e 33% no RJ. Em 2017, já era mais do que o triplo (9.862) do que no início da década. Juntos, os dois estados respondem por 87,8% dos roubos no Brasil, que é o oitavo país em risco no transporte de carga em 2017, perdendo apenas para os países em guerra no Oriente Médio ou da África.

Os roubos de carga não cresceram espontaneamente no Rio. Foram resultado da presença do PCC e suas preferências sobre o modo de conseguir mais dinheiro rapidamente. Notícias sobre sua expansão no país tornam-se corriqueiras. O projeto da sintonia final é chegar a 40 mil membros em 2018, afrouxando os protocolos da inclusão, sem a necessária indicação de um padrinho já membro da facção com a aprovação de mais dois outros membros. Só então aparecem fissuras na forma de controle e críticas aos padrinhos que trouxeram novos membros vacilões ou traidores. O PCC se expandiu, mas afrouxou o controle interno sobre seus membros. Daí tantos assassinatos recentes, que revelam uma feroz luta interna pelo poder dentro e fora da prisão.

Sem resolver a questão penitenciária nem desmantelar a companhia do crime organizado que se expande por todo o Brasil, não há solução para a violência no país.

Alba Zaluar

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