terça-feira, 27 de março de 2018

Em que mundo vivem os ministros do STF?

Supremo está prestes a decidir em favor da impunidade. Por onde andam os ministros do Supremo Tribunal Federal? Com quem conversam? O que leem? Há momentos na sua história, como este agora, em que eles mostram ser pessoas tão ordinárias como o mais simples mortal. Nem mesmo aquelas capas pretas os diferem da média nacional. Juiz, segundo juízes, não pode ouvir o clamor das ruas. As ruas não podem pautar a Justiça, dizem os magistrados. Conversa fiada. Sabemos todos que não é assim. Fica cada vez mais evidente que o STF não resiste a uma boa pressão.

A prova cabal é o que está acontecendo agora. Como pode o STF cogitar julgar outra vez o tema da prisão em segunda instância se tomou decisão de repercussão geral sobre a matéria há pouco mais de um ano? O que teria motivado essa reviravolta que não seja a voz rouca, não das ruas, mas dos bastidores de Brasília? No caso, uma voz difusa, em que parte pede a revisão do entendimento para salvar Lula, parte pede que se respeite a decisão anterior com a consequente prisão do ex-presidente.

Não há outra explicação, os ministros do STF só voltaram a discutir a prisão em segunda instância porque a situação em vigor significa a prisão de Lula. Imagine, prender um ex-presidente apenas porque ele foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Não sei se há precedentes, acho que somente os ministros civis do Superior Tribunal Militar (STM), durante a ditadura, foram obrigados a constrangimento maior do que este. Os ministros do Supremo podiam usar suas capas pretas para cobrir esta vergonha. Como deveriam ter feito nos episódios em que salvaram Renan Calheiros e Aécio Neves.

Se aceitar o habeas corpus que livra Lula, o STF estará reinstalando no país a chaga da impunidade que está por ora represada. Significa que Lula e todos os demais condenados por um juiz, com a sentença confirmada por um colegiado de magistrados, seguirão livres até que o Superior Tribunal de Justiça e mais tarde o próprio STF julguem o julgamento dos julgadores das instâncias anteriores. Podem até dizer que o STF adotaria uma medida intermediária e os recursos teriam de acabar no STJ. Não acredite nisso. As coisas não funcionam assim com advogados, juízes, recursos e habeas corpus Brasil.

Não só o ladrão e o lavador de dinheiro público, mas também o assassino e o estuprador, não importa quais, nem quantos, todos serão beneficiados se o STF conceder o habeas corpus. A tramitação de uma ação em todas as instâncias, dependendo do advogado ou do escritório de advocacia, pode durar o tempo necessário para que o crime prescreva. São milhares, dezenas de milhares de casos nesta situação. Com boa vontade, entre sete e 12 anos um processo comum pode tramitar até a sentença final. Mas a Justiça sempre tarda e os processos podem percorrer os labirintos judiciais por muito mais tempo. Só na primeira instância uma sentença leva em média quatro anos e meio para ser proferida.

O STJ recebeu 330 mil novos processos em 2016. São casos que chegaram ao tribunal para confirmação ou anulação de sentença dada por um juiz e depois por um grupo de juízes em instâncias inferiores. Como o STJ tem 33 ministros, cada um deles recebeu naquele ano 10 mil novos processos que se juntaram aos que já estavam em curso. Cada juiz teria de julgar 27 processos por dia, se trabalhasse todos os 365 dias do ano, para se desincumbir apenas dos casos novos. Como não trabalham aos sábados e domingos e têm dois meses de recesso por ano, a conta sobe para 49 processos por dia. Dá para ter uma ideia do tamanho da encrenca?

Ascânio Seleme

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