Derrotas, sobretudo quando não entendidas, em geral têm dentro de si apenas a semente de outras derrotas. Foi assim com o ex-presidente. Depois de derrotado na Avenida Paulista e nas ruas do Brasil inteiro, Lula perdeu o apoio que tinha no Congresso. As gangues de assaltantes do Erário que formavam a sua “base aliada” começaram a largar de Lula em busca de um novo futuro — e ele não conseguiu segurar essa tropa. Tome-se um Geddel Vieira Lima, por exemplo — esse dos 51 milhões de reais enfurnados num apartamento de Salvador e residente na cadeia desde setembro do ano passado. Foi ministro de Lula durante três anos inteiros, depois peixe graúdo no governo Dilma — e mesmo assim o nosso gênio da “engenharia política” não conseguiu segurar o seu apoio. Geddel é apenas o representante clássico de todos; há centenas de outros e de outras. Lula, embora contasse com a máquina do governo Dilma a seu favor, foi perdendo todos — e deixou-se ficar em minoria no Congresso. Perdeu, também, quando foi levado por uma escolta armada para prestar depoimento na polícia. Não se ouviu, na ocasião, um pio em seu favor por parte da massa de brasileiros reais; descobriu, chocado, que podia ser enfiado num camburão de polícia a qualquer momento — e ninguém estava ligando a mínima para isso. Foi derrotado, não muito depois, quando tentou nomear-se “ministro” de Dilma e arrumar para si o infame “foro privilegiado”, que, na opinião da massa, é apenas um esconderijo de ladrões que querem ficar livres da Justiça. Foi derrotado de novo, logo em seguida, quando ficou claro que o seu lado não tinha força para fazer nem isso.
Lula sofreu mais uma derrota pavorosa, até ali a pior de todas, quando Dilma conseguiu o prodígio de ser deposta da Presidência da República por 367 votos contra 137, na Câmara de Deputados — nada menos que 71,5% dos votos disponíveis, sem falar no seu naufrágio por 61 votos a 20 no Senado Federal, num total de 81 senadores. Para qualquer político, seria um aviso de que o seu lado estava na mais miserável minoria; não tinha força para exigir nada, e muito menos para derrubar no grito o sistema judiciário do Brasil, só porque estava sendo incomodado por um juiz de direito de Curitiba. Para Lula, não houve nada. Como o seu partido, disse que tudo foi um simples “golpe” e que a CUT, a UNE, o MST, os bispos, os sem-teto e os etcs. jamais iriam aceitar isso. Somados, não juntavam três estilingues — mas Lula achou que conseguiriam salvá-lo. Daí para diante foi apenas de mal a pior. Quis enfrentar o juiz Sergio Moro num concurso de popularidade. Perdeu. Quis se safar com truquezinhos de advogado. Não deu certo. Tentou passar recibos falsos. Falhou de novo.
Mais que tudo, Lula nunca percebeu que o Brasil, apesar de todos os seus atrasos, já saiu um pouco do século XIX. Como José Sarney, Renan Calheiros e o restante do Brasil da senzala, não conseguiu entender que existe hoje, na vida real, uma parte do sistema de Justiça que não depende de quem manda no governo, como foi durante séculos. Poder Judiciário, para Lula, é uma força auxiliar dos donos do governo, dos que têm influência e bons “índices de pesquisa”. Estão lá para “acertar”, ajudar e resolver. Tem um juiz atrapalhando? Tira o juiz. É Maranhão puro. No seu caso, quando enfim se deu conta de que não estava funcionando assim, entrou em pane — “espanou”, como se diz, e perdeu de vez o rumo. Ao fim, veio a derrota mais arrasadora, do seu ponto de vista pessoal. Foi condenado como ladrão, e demolido de vez, agora, com o aumento da sua sentença de nove anos e meio para doze anos de cadeia no tribunal que está acima de Moro — com provas que não podem mais ser contestadas. Fim da história — sem contar a batelada de processos penais que ainda tem pela frente.
Lula se vê reduzido, hoje, a contar com gente que queima pneu na rua para fechar o trânsito por umas tantas horas, e diz que isso é um ato de “resistência” política. Põe na praça manifestantes que correm da polícia. Manda milícias sindicalistas proibir que trabalhadores entrem em seus locais de trabalho — frequentemente, acabam apenas levando uns tapas e desistem de seus piquetes. Pode, como sabotagem, organizar greves de funcionários públicos; mas isso só funcionaria se as greves durassem pelo resto da vida. Pode, também, tumultuar as eleições. No mais, sobram-lhe os “intelectuais”, artistas da Globo que assinam manifestos, a classe média urbana que não precisa pegar no pesado e a elite milionária — que tem aí mais uma oportunidade de fingir-se de “esquerda civilizada” sem correr risco nenhum. Não é grande coisa. Não dá para fazer uma revolução bolivariana. Não dá para tomar de volta o Brasil.
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