A paixão pelo ganho, no mundo oligárquico – forma social e política anterior à democracia –, narra Platão, se expande pela sociedade. Todos nela desejam o seu lote. Resulta acrescida a desigualdade de bens. Com a democracia vem a promessa de riqueza para todos, somada à igualdade e à liberdade para atingir os próprios alvos. Aproveitando a cobiça universal, o demagogo acena com cofres cheios em todo lar. A técnica do tirano e demagogo é a lisonja. Como o camaleão, ele muda a cor do discurso conforme a oportunidade e a plateia. O único colorido que lhe escapa, comenta Plutarco, é o branco (Como distinguir o adulador do amigo). O demagogo é o mais antigo cliente do marketing político.
Depois da brancura romana e da crítica à democracia, escutemos Norberto Bobbio. “No mercado político democrático o poder se conquista com votos, um dos modos de conquistar votos é comprá-los e um dos modos para se livrar das despesas é servir-se do poder conquistado para conseguir benefícios mesmo pecuniários dos que possam receber vantagens de semelhante poder. (…) Considerada a arena política como uma forma de mercado, onde tudo é mercadoria, ou coisa comprável e vendível, o político se apresenta num momento como comprador (do voto), num segundo momento como vendedor (dos recursos públicos dos quais, graças aos votos, se tornou potencial dispensador)”. (Cf. “Quale il Rimedio?” In L’Utopia Capovolta, 1990).
É compreensível a indignação de Nêumanne Pinto. Eu mesmo já publiquei algo na sua linha. Ao me levantar contra abusos do Parlamento, escrevi na Folha de S.Paulo o artigo intitulado O prostíbulo risonho. Tive aborrecimentos, porque o “centrão” me perseguiu sob Roberto Cardoso Alves, o político que batizou a troca fisiológica entre Legislativo e Executivo: “É dando que se recebe”. O mercado político das pulgas entrava em seus momentos de glória, prenunciando estadistas como Eduardo Cunha.
Mas qual elo existe entre a alvura do político romano, a policromia democrática em Platão e o mercado eleitoral descrito por Norberto Bobbio? No palimpsesto trazido pela história política, uma constante: todo regime social ou de Estado se corrompe. Nenhuma reforma pode mudar o desastre. E tal coisa não é um truísmo, mas destino a ser encarado pelos que respeitam a liberdade e o direito. Os gênios que citamos buscaram remédios para a pavorosa Fortuna. Após a democracia ateniense, veio o duro imperialismo macedônico. Depois da República romana, chegou a ditadura corrupta de Cesar. O nazismo sucedeu à República de Weimar. O culto a Stalin brotou após a revolução de 1917. Lição de prudência encontra-se em Maquiavel. Na Carta a Vetori, ele confessa abandonar a mesquinhez cotidiana, os interesses dos homens comuns. Bem vestido, eis o autor do Príncipe em conversa com os pensadores antigos. Pena que na política brasileira não ocorram tais diálogos. No Congresso, a leitura se restringe ao Diário Oficial, onde são anunciados os pagamentos pelos votos vendidos e comprados. Só nos restou a torpeza das enlameadas e obscuras reformas políticas, falsas como as moedas de R$ 3.
Nenhum comentário:
Postar um comentário