No berço da expressão está o preço de quatro vinténs para a caixa de açúcar, fixado pelo rei português Dom João V. O povo passou a dizer que não adiantava vender o açúcar, era melhor comê-lo: “Mais vale um gosto do que quatro vinténs”. Depois foi acrescentando “no bolso”, por melhor memorização, bolso soando parecido com gosto.
“Que um fraco rei faz fraca a forte gente”, o grande Camões, que no Brasil sempre fez sucesso e é até nome de bife, já tinha lembrado no século anterior.
O monarca lusitano, entretanto, tornou-se forte com o dinheiro arrecadado no Brasil e reinou por 46 anos. Cobrou muitos impostos e taxas ao longo da vida, com o fim de apaziguar a aristocracia ao redor, sem controle de gastos de nenhuma espécie. Na época, quem mais pagou o pato foi o povo de Pernambuco.
Um gosto e seis vinténs, de Somerset Maugham, teve várias edições no Brasil, depois que a Editora Globo, quando dirigida por Henrique Bertaso, lançou a primeira edição. Maugham trocou cartas com Bertaso para desculpar-se de alguns entreveros sobre direitos autorais.
Órfão desde os dez anos, Somerset Maugham foi enviado à Inglaterra e educado pelo tio, vigário em Whitestable, e por isso escrevia em inglês. Seguindo as orientações do tutor, formou-se em Medicina aos 23 anos, mas o sucesso literário desde os primeiros títulos levou-o a dedicar-se inteiramente às letras. Ele morreu em 1965, aos 91 anos.
Nos anos 70, a Editora Abril lançou a coleção Imortais da Literatura Universal, com 50 volumes, um grande sucesso editorial, e entre os destaques estava outro título de Maugham muito lido no Brasil, A Servidão Humana.
Aliás, a coleção desmentiu a ideia de que literatura de qualidade não vende. Vende e bem, quando encontra os leitores. E, no caso, o encontro era nas bancas de revista. Maugham, Dostoiévski, Flaubert e Boccaccio chegaram a vender mais de 300.000 exemplares. O número 50 era Ficções, de um argentino chamado Jorge Luís Borges, que se tornaria o fascinante personagem Jorge de Burgos de Umberto Eco em O nome da rosa, em 1980.
O tradutor do livro de Borges na coleção da Abril era um jovem poeta gaúcho de apenas 30 anos, que em 2017 é o candidato brasileiro ao Prêmio Nobel. Seu nome: Carlos Nejar.
São insuficientemente vistos e estudados no Brasil certos vínculos muito bonitos entre os escritores e seu povo. Castro Alves abraçou a Abolição. Monteiro Lobato defendeu o petróleo, o combate à pobreza e não migalhas aos pobres, mas educação e leitura para eles, de que são exemplos iniciativas como o famoso Almanaque do Jeca Tatu, distribuído nas farmácias de graça, junto com o medicamento Biotônico Fontoura. Todos os citados tiveram seus livros constantemente reeditados. E seus editores, mais do que livros, produziram também muitos leitores.
Agora que está no outono da existência, o procurador de justiça (aposentado) Carlos Nejar acresceu mais um feito à sua biografia de tantos lances marcantes : fez do poema A vida de um rio morto: monumento ao Rio Doce (Editora Ibis Libris) um brado retumbante contra a má administração e a imprevidência que resultaram no pavoroso desastre de que foram vítimas o povo e um rio referencial da terra que os brasileiros habitam.
Mais vale um gosto, mais vale um rio, do que vinténs ou bilhões no bolso ou na conta.
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