terça-feira, 29 de agosto de 2017

Capitalismo de cooptação

Um dos dramas da deseducação neste país está encenado na histórica ausência de debate sobre o tamanho — sobre o papel — do Estado. Como se não pudesse haver outro que não este, onipresente. A alternativa sendo o medo — a velha ameaça de alienação do patrimônio nacional já alienado por patriotas como Dilma Rousseff.

Dessa desinformação, ergue-se um Lula. Nessa desinformação, parasita-se um Paulo Roberto Costa. Só nessa desinformação é possível um Sergio Machado — um Aldemir Bendine. Foi como refém dessa desinformação que Geraldo Alckmin se fantasiou de Banco do Brasil e Caixa — com medo de perder os votos que, afinal, perderia.

Sob essa desinformação, afogam-se conceitos, aterram-se detalhes, interditam-se soluções integrais. Daí que, no Brasil, privatização nunca seja exatamente privatização. São concessões à exploração privada, diluições de ativos da União, aquisições subsidiadas por bancos de fomento ou asseguradas pela adesão de fundos de pensão — operações em que o Estado resta como sócio, geralmente com poder de veto administrativo.

É do que se trata, mais uma vez, o pacote de intenções anunciado na semana passada pelo governo federal, conjunto em que se destaca a pretensão de diminuir a posse estatal sobre a Eletrobras — um dos mamutes em cujo couro a corrupção vai longamente trepada.


Não será privatização — esclareça-se. Mas será um avanço. O avanço possível, sem convicção, a um país doente como este, em que se pragueja contra o capitalismo sem que capitalismo jamais tenha havido aqui — senão aquele, desprovido de concorrência, cujas estrelas só podem ser os empreendimentos de Eike Batista e Joesley Batista.

Sim, capitalismo de Estado — o dos campeões nacionais. Mais precisamente, capitalismo de cooptação: aquele, para escolhidos, cujos mecanismos de ação conjugam as variáveis do aliciamento e os méritos são debulhados do compadrio; aquele em que não há sócios, mas cúmplices — padrinhos e apadrinhados.

A falta de convicção sobre a saúde derivada do enxugamento do Estado é um problema relevante. Porque mesmo canalhas têm dificuldade em defender aquilo em que não acreditam. E os governos brasileiros, todos, não acreditam. Assim, só se desfazem de nacos do gigantismo sob seu controle para garantir o cumprimento da meta do déficit etc. Nunca como decorrência de uma visão sobre o Estado, de um programa para o corpo da administração pública. Há, pois, soluções circunstanciais, puxadinhas — que, claro, alimentam a oposição de petismos e outros sanguessugas. Não escolhas racionais, em longo prazo — que seriam também educativas.

Duas consequências dessa falta de convicção são especialmente deseducadoras: a pressa e a comunicação sofrível. A primeira se ilustra na forma açodada como o governo informou seu propósito: o de conceder, por exemplo, novos aeroportos à exploração privada — decisão excelente, para a qual já existe experiência bem-sucedida. No entanto, como se a Infraero fosse paixão nacional, parecia uma traição, algo clandestino, a ocorrer em emboscada — fato a ser logo consumado, porque do qual se envergonhar. E não há outra maneira de comunicar senão a pior quando o que se faz é apreendido como vergonhoso.

É inacreditável que — em 2017 — governantes ainda tenham medo de falar em privatização e, quando obrigados pelo orçamento, façam-no tão mal. Mais um sinal de que leem porcamente o tabuleiro político-eleitoral; porque só a um parvo pode ter escapado que os anúncios feitos pelo governo foram, pela primeira vez na história brasileira, bem recebidos pela sociedade — e que mesmo os esperados protestos de petistas e outros mamadores pouco ecoaram fora de seus currais.

Essa é a mais importante mudança na percepção popular sobre a atividade pública havida no Brasil desde o fim do regime militar: uma população difusamente conservadora que — confrontada às evidências de assalto a estatais — parece desenvolver uma compreensão liberal prática, objetiva, sobre os riscos inerentes à dimensão do Estado. Que, em suma, quanto menor seja, menos roubado será.

A Lava-Jato não terá prestado serviço mais civilizador do que o de exibir, com materialidade, aquilo, por exemplo, de que foi feita a Petrobras: uma empresa desviada para, mais que enriquecimentos pessoais, sustentar economicamente um projeto de poder.

Não se trata, portanto, de súbito compromisso popular com o Estado mínimo; nem da compreensão de que a economia funciona melhor sob gestão privada. Não. Mas de que o tamanho do Estado é o tamanho da corrupção; de que o problema não está na administração de estatais, que pode ser ruim ou muito ruim a depender do governante, mas das possibilidades que oferecem, por sua própria natureza, à corrupção.

Esse entendimento será a novidade temática para as eleições de 2018. Faltam, contudo, candidatos que o decodifiquem e o transformem em linguagem — algo para o que será preciso mais inteligência do que coragem. Há votos aí. Há também lógica a explicá-los: como defender incondicionalmente a existência de estatais, escudadas em patrimônio nacional, se os guerreiros que manejam esse discurso nacionalista são os senhores feudais que as loteiam entre piratas aliados?

Há votos aí.

Carlos Andreazza

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