quarta-feira, 26 de julho de 2017

Valores em baixa

Dois episódios recentes são ilustrativos do quanto os valores inerentes à democracia, como a tolerância, a convivência pacífica e o respeito ao contraditório e à diversidade, estão em baixa em nosso país.

Vamos a eles.

Quando da morte de Marco Aurélio Garcia, assessor de política externa dos governos Lula e Dilma Rousseff, o chanceler Aloysio Nunes manifestou em nota oficial, seu pesar, relembrando que os dois foram companheiros de exílio, posteriormente divergiram e seguiram caminhos diferentes, mas mantiveram relações cordiais.

Aloysio teve a hombridade de reconhecer que Marco Aurélio Garcia “no magistério, assim como na política, agiu com firmeza e coerência na promoção de sua visão do Brasil e do mundo” e por isso teve a sua estima.

Em qualquer país de cultura democrática arraigada o episódio seria visto como absolutamente natural, pois adversários mantêm relações civilizadas entre si e não têm por objetivo a eliminação física do oponente ou de suas ideias.

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Mas no Brasil desses tempos de ira as coisas não são assim. O ministro levou bordoada à “direita” e à “esquerda” nas redes sociais. Os primeiros o enxovalharam por tecer elogios a um adversário, em vez de comemorar sua morte como muitos ensandecidos o fizeram. Já a turma do outro lado não deixou por menos, o insultaram de “golpista”, hipócrita e outros vocábulos típicos da linguagem de esgoto.

O segundo episódio, tão lamentável quanto, se deu na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada este ano na Universidade Federal de Minas Gerais, onde o senador Cristovam Buarque foi hostilizado por um grupo de petistas e impedido, à força, de divulgar seu livro. A agressão a Cristovam se espraiou nas redes, com o senador sendo xingado de “ratazana”, golpista, entre outras perorações.

O incidente foi por si só uma agressão às histórias da SBPC e a UFMG, duas instituições de larga tradição democrática e de observância do pluralismo, condição imprescindível para o desenvolvimento da ciência e da cultura.

Foi também uma manifestação do ódio particular que os petistas nutrem pelo senador. Não o perdoam pelo fato de ter rompido com o Partido dos Trabalhadores e de ter votado de acordo com sua consciência no impeachment de Dilma. Não há, ao longo de sua extensa vida pública, um só deslize de natureza ética, ao contrário de muitos petistas que se lambuzaram na lama.

Mas isso é irrelevante para seus detratores. No seu entendimento, Cristovam Buarque é um trânsfuga, num estranho conceito de fidelidade, nãos sobre valores e princípios, mas a uma causa em cujo nome tudo se justifica. Nesse víeis autoritário, não há razão fora do partido, e divergência é sinônimo de traição.

Não estamos diante de fatos isolados, eles têm conexão com a estapafúrdia manifestação de petistas no casamento da filha do ministro Ricardo Barros – algo tão absurdo como as agressões ao ex-ministro Guido Mantega em um hospital – e nos insultos e violência contra a jornalista Miriam Leitão, a bordo de um avião.

O aviltamento dos valores republicanos também esteve presente na ação ensandecida de um grupo de senadoras que tomaram de assalto a mesa do Senado para tentar inviabilizar a reforma trabalhista. Em qualquer democracia do mundo, as decisões no Parlamento se dão pelo voto e a única maneira de a minoria se transformar em maioria é pelo convencimento. Nunca pela mão grande ou pela impostura.

O pano de fundo da escalada do ódio é o desapreço pela democracia que se manifesta tanto na direita de valores autoritários, como em uma esquerda que entende a democracia como um estorvo e um expediente tático a ser abandonado assim que a correlação de forças permita.

A crise liberou esses dois polos para mostrar sua verdadeira face.

Valores fascistóides nunca deixaram de existir em nossa sociedade, ainda que de forma residual. Eles estavam contidos até recentemente. Mas a degradação ética decorrente da exacerbação do patrimonialismo do qual o PT aderiu e elevou a novo patamar fez com que eles aflorassem nesses tempos de anátema.

Seu reverso é a radicalização do lulopetismo, depois de ser apeado do poder.

Se antes havia algum recato, eles foram deixados de lado. O PT passou apostar no aprofundamento da divisão do país, considerando como golpistas todos que não rezam por sua cartilha. O viés autoritário se faz presente na tese de que eleição sem Lula é fraude, sugerindo que o PT pode apelar para outros meios se o morubixaba não puder se candidatar.

Os valores democráticos vêm sendo puxados para baixo pela direita alucinada e pela esquerda autoritária. Mas não apenas por eles.

Afinal, em nome de que valor se justifica um jornal de circulação nacional publicar em seu espaço nobre artigo de Joesley Batista recheado de mistificações, numa afronta à consciência nacional?

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