sexta-feira, 28 de julho de 2017

Supremo criou os marajás e agora tem obrigação de extingui-los

Uma das principais fontes de descontentamento com a democracia à brasileira é a existência de servidores públicos que recebem remunerações absurdamente elevadas, num país em crise, em que os recursos públicos são escassos, não há dinheiro para nada. Em nenhuma nação minimamente civilizada existe uma desigualdade social tão gritante, com possibilidade de um servidor público receber remuneração mais de 100 vezes superior ao salário mínimo nacional. A imprensa vive a noticiar esses fatos constrangedores, que ocorrem com maior frequência no Judiciário, exatamente o Poder que deveria se encarregar de fazer Justiça.

A revolta contra essas distorções salariais está aumentando de forma avassaladora, isso é público e notório, e não surpreende que tantos brasileiros hoje defendam uma intervenção das Forças Armadas, que decididamente não estão dispostas a infringir a Constituição.

Durante sua prosaica e desastrada gestão como presidente da República (de 1946 a 1951), o marechal Eurico Dutra mandava consultar o “livrinho”, sempre que havia algum problema institucional. Uma sábia providência, porque o “livrinho” dele era a Constituição, que o presidente obedecia religiosamente, era imune a impeachment. Seu governo foi péssimo, durante a Guerra muitos países europeus acumularam pesadas dívidas com o Brasil, Dutra não soube cobrar, foi compreensivo demais, digamos assim. Se o Brasil tivesse sido governado pelo estadista Oswaldo Aranha, como se esperava, seria uma outra realidade.

De qual forma, Dutra impôs o respeito ao “livrinho”, uma prática salutar, que teria livrado o Brasil de muitas crises se a Constituição fosse realmente obedecida, mas não foi exatamente isso o que aconteceu.
No caso dos salários dos marajás, a Constituição é de uma clareza solar. Critica-se muito o Congresso, mas neste ponto os parlamentares procederam com total correção. Em dois dispositivos (inciso XI do artigo 37 e artigo 17 das Disposições Transitórias), os congressistas brasileiros deixaram claro que o serviço público estava submetido a um rigoroso teto salarial – os vencimentos dos ministros do Supremo.

Os textos constitucionais são transparentes e não permitem duplas interpretações. Mesmo assim, o Supremo fez questão de desrespeitar o “livrinho” de Dutra. E o fez em causa própria, ao instituir que os ministros que integrassem também o Tribunal Superior Eleitoral teria “direito” a uma suplementação salarial acima do teto.

Foi o primeiro estupro constitucional. Daí em diante, houve uma verdadeira farra do boi, que acabou recriando os marajás que os constituintes tentaram extinguir.

Para burlar o teto salarial, em todo o país os desembargadores passaram a se conceder vantagens altamente criativas, que passaram a ser conhecidas como “penduricalhos”. Auxílios para moradia, creche, educação, compra de livros, carro oficial com combustível gratuito, os benefícios foram surgindo e se multiplicando, diante da complacência do Supremo.

Um dos artifícios mais interessantes é a verba indenizatória. Quando um juiz assume uma segunda vara nas férias do colega, tem direito a um salário extra, embora todos sabiam que não há trabalho em dobro, pois o juiz se limita a despachar o que é inadiável, o resto fica na gaveta, até o final das férias. Como têm direito a duas férias anuais, além de Semana Santa, Carnaval, fins de semana prolongados etc., os juízes podem “vender” uma das férias e recebê-la em dinheiro. É uma maravilha.

Essas vantagens todas explicam como magistrados podem receber mais de 1oo mil mensais, enquanto o salário mínimo é de apenas R$ 937,00. E o pior é que esses penduricalhos inconstitucionais foram se espalhando para o Ministério Público e as Justiças estaduais, beneficiando ilegalmente também o Legislativo e o Executivo, num verdadeiro festival que evidencia a falência das instituições brasileiras.

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