segunda-feira, 26 de junho de 2017

Temer pede à Câmara que suspenda os pudores

O traço mais vivo da gestão semimorta de Michel Temer é a tendência para o ineditismo. A partir desta semana, o brasileiro passa a conviver com uma anomalia jamais vista na sua vasta história de anormalidades: um presidente da República formalmente denunciado por corrupção. Em qualquer outro lugar do mundo, o fato produziria consequências gravíssimas. No Brasil, o governo esclarece que o anômalo é a nova normalidade. E segue em frente.

A caminho do caos, Temer atingiu o ápice da eficiência: ele mesmo violou as leis, ele mesmo forneceu a matéria-prima para sua delação, ele mesmo articula o sepultamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República na Câmara. Para livrar-se da abertura de uma ação penal no Supremo Tribunal Federal, o presidente precisa ter do seu lado pelo menos 172 deputados. O Planalto estima que a milícia parlamentar de Temer ainda reúne algo como 240 cabeças.


O procurador-geral da República Rodrigo Janot revela-se convicto de que o presidente cometeu o crime de corrupção. Sua denúncia, como manda a Constituição, será remetida pelo Supremo Tribunal Federal à Câmara. Se o Brasil fosse um país lógico, os deputados representariam os interesses dos seus eleitores. E forneceriam os 342 votos necessários para autorizar a Suprema Corte a decidir se Temer deve ou não ser acomodado no banco dos réus.

Entretanto, uma das primeiras vítimas dos novíssimos tempos é semântica. O lógico virou apenas um outro nome para o ilógico. Quando chamam de normal uma conjuntura que condiciona a abertura de uma ação penal por corrupção ao aval de uma Câmara apinhada de corruptos, o brasileiro sabe que está numa crise de significado ou numa roda de cínicos.

Servindo-se das evidências que Temer lhe forneceu ao receber no escurinho do Jaburu o delator Joesley Batista, o procurador-geral gruda o presidente à figura de Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala. Janot realça uma passagem da gravação que converteu Temer em escândalo. Nela, Joesley, o “notório bandido”, pede ao presidente um interlocutor para tratar dos interesses de sua empresa no governo. E Temer indica Rocha Loures —filmado depois recebendo propina de R$ 500 mil.

Pilhado, Temer alegou ter indicado Rocha Loures apenas para se livrar de Joesley. Disse também que o assessor da mala, é um homem “de boa índole, de muito boa índole.” De vez em quando, as evidências gritam tão alto que é impossível não reagir. Mas Temer aproveita que um pedaço da Câmara também apodreceu para lançar mão de um velho lema mosqueteiro: ‘Um por todos, todos por hummm…” O presidente pede aos deputados que deixem tudo pra lá em nome da cumplicidade carinhosa que sempre assegurou a autodefesa do sistema.

O Datafolha informou no final de semana que o eleitorado está de saco cheio. A popularidade de Temer encontra-se rente ao chão: 7%. Dois em cada três brasileiros gostariam de ver o presidente pelas costas. Mas um pedaço da Câmara se dispõe a mergulhar numa fase de cochilo deliberado. Recompensados pelo Planalto com cargos e verbas, os deputados fornecerão a Temer o que ele deseja: uma suspensão tácita dos pudores morais.

Presidente da República denunciado por corrupção é uma aberração. Mas todos os integrantes da milícia parlamentar do governo combinaram não notar. Pelo menos por enquanto.

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