sexta-feira, 9 de junho de 2017

O anel de Gyges

Capelinha de Nossa Senhora dos Aflitos. Na Rosa e Silva, quase chegando ao Náutico (perdão por lembrar, amigo leitor, mas Hexa ainda é Luxo). Todo mundo conhece. Ou deveria. É a mais bela de Pernambuco. Para este pobre coitado que aqui escreve, e seus irmãos, tem um sentido especial. É que lá casaram nossos pais. Foi uma cerimônia curiosa. Sexta-feira, comecinho da tarde. Problema é que um juiz marcou audiência, no Forum, para pouco depois. E não aceitou remarcar. Consequência, dr. José Paulo casou com aquele terno branco de linho que usava normalmente para trabalhar. Igual ao de boa parte dos advogados, à época. E explicou antes, à quase esposa, que tinha o dever de ir à tal audiência. Findo o casamento, levou dona Maria Lia até um táxi. Carro era luxo que não cabia nos seus orçamentos. E foi à tal audiência. Ela teve que aceitar. Contrariada. Até hoje continua. Já nos seus 91 anos – embora pense, viva e ria como quem tem só 18. Mas advertiu: Se não chegar em casa antes das 6 da tarde, nunca mais vai me ver. Deu tudo certo, graças ao bom Deus.

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Pois foi em tal capelinha, na homilia de sábado passado, que padre Sergio Absalão falou na lenda de Gyges. A mesma referida por Platão em sua “República”. Resumo. Gyges era pastor na Lídia. Depois de tempestade, abriu-se uma cratera em sua frente. Desceu lá e, junto a um cavalo de bronze, encontrou o cadáver de um gigante. Com anel de ouro em um dos dedos. Colocou esse anel no seu próprio dedo. Mais tarde, casualmente, deu nele uma volta para a esquerda. E ficou invisível. Girou novamente o anel, agora para a direita. E voltou a poder ser visto. Segundo a lenda Gyges, aproveitando-se desse poder, seduziu a mulher do soberano e o matou. Assumindo seu reino.

Para além da mitologia, trata-se de uma parábola sobre o bem e o mal. Até que ponto um homem virtuoso será capaz de resistir à tentação de proceder sempre retamente? Faria o mesmo caso soubesse que poderia agir como quisesse e, ainda assim, ficar impune? Qual o limite da virtude? Poucos dias faz vimos, em Palmares, pessoas humildes se preparando para invadir um supermercado. Era errado mas o fariam. A polícia é que não deixou. Em Olinda, numa greve da PM, o supermercado da Arcomix foi assaltado por uma pequena multidão. Inclusive fiéis que iam, todos os dias, a missas e cultos evangélicos. Não é uma questão simples.

Mas penso que nosso grande padre Sérgio não pensava propriamente em questões íntimas, quando se referiu a essa lenda. Talvez estivesse apenas sugerindo que, em Brasília, nossas elites políticas agem como se estivessem acima do bem e do mal. Carlos Pena Filho, poeta do azul, começa um soneto (“A Solidão e sua Porta”) dizendo: Quando mais nada existir que valha/ A pena de viver e a dor de amar. Pois naquelas bandas, amigos, vale a pena, a dor e sobretudo a grana. Eles topam tudo por dinheiro. Sem nenhuma poesia. Como se todos usassem, nos dedos, o tal anel de Gyges.

Para sorte nossa, por aqui, parece que tais anéis nem sempre funcionam bem. Por conta de algum defeito de mecanismo. Razão pela qual muita coisa finda por aparecer. Não tanto, é pena. Mas aparece. Penso em Gyges nascendo no Brasil. Onde estaria ele, hoje, com seu anel? Talvez fosse Presidente da República – conversando escondido coisas escondidas, noite alta, com quem deve e não deve. Ou talvez se apresentasse às massas, com lágrimas falsas nos olhos, como se fosse o Salvador da Pátria. Ou talvez, para seu azar, estivesse preso em Curitiba. Pensando em fazer delação premiada. Tudo é possível. O Brasil é muito mais complicado que a Grécia de Platão.

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