quarta-feira, 17 de maio de 2017

Nosso perfil está em jogo

Está aberta a batalha. Com os defensores do meio ambiente concentrados nas reformas do trabalho e da Previdência, a bancada ruralista na Câmara dos Deputados apresentou projeto de lei que “altera radicalmente”, como disseram os jornais, as regras do licenciamento ambiental no País. O texto muda em pontos vitais a legislação em vigor no País. Entre outras disposições, acaba com a obrigatoriedade de licenciamento para muitos tipos de empreendimentos, como asfaltamento de rodovias, dragagem de portos, obras de saneamento e projetos de agropecuária extensiva.

O licenciamento para projetos com impacto potencial no País não tem uma legislação, é regido por resoluções, instruções normativas e pareceres. Diante de reivindicações dos setores econômicos, o ministro Sarney Filho comprometeu-se a melhorar a questão, mas sem abrir mão de salvaguardas ambientais, a partir de discussões com a sociedade, os ambientalistas e o agronegócio. Mas cedeu em alguns pontos, como a obrigatoriedade de licenciamento para a agropecuária extensiva. Em seguida, porém, a bancada ruralista apresentou projeto substitutivo que dispensa o licenciamento para vários setores. A versão final inclui 18 projetos apensados. E tem de passar por discussão na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Se aprovado, segue para votação no plenário da Casa.

Desmatamento:
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), agora o projeto está no âmbito do Ibama, mas tem sofrido fortes críticas (Folha de S.Paulo, 6/3). Uma delas é a de que prevê dispensa de licenciamento “em excesso”; outra, a de que o licenciamento tenderia a judicializar o processo; outra ainda, a de que se começa a ceder quanto à obrigação de licenciar atividades como a agropecuária extensiva – que “poderia provocar uma guerra entre Estados”. E na semana passada começou a circular a notícia de que, diante de fortes reações, a versão da Casa Civil seria retirada para novas modificações – com resistência até do MMA a modificações que permitissem que o licenciamento “ficasse na mão” dos Estados e municípios. Os próximos dias definirão novos rumos.

Mas a controvérsia nessa área é cada vez mais forte. Paralelamente ao processo em que a CPI da Funai e do Incra pede o indiciamento de 88 pessoas, um relatório de 3.385 páginas foi entregue há poucos dias à Câmara – 63 dos indiciados são antropólogos, procuradores da República e membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e 35 são líderes indígenas (Instituto Humanitas, 4/5), acusados de supostas irregularidades em cinco Estados (RS, SC, MS, MT e BA). Segundo a CPI, o documento vai ao Ministério da Justiça para pedido de nova análise sobre demarcação de terras ali mencionadas. Porque “a CPI vai comprovar que os acusados são estrategistas, coniventes e instigadores de ações ilícitas, altamente perniciosas, criminosas, voltadas para invasões de imóveis rurais por indígenas”.

Conselheiros do Cimi afirmam, por sua vez, que a CPI “é uma tentativa de criminalizar todos os movimentos e instituições que promovem direitos indígenas e quilombolas”. Tudo teria forte influência do agronegócio. Tanto que entidades ambientalistas – SOS Mata Atlântica, Greenpeace, Instituto Socioambiental e outras –, assim como os movimentos da Via Campesina e a Frente Brasil Popular, “iniciaram uma articulação para enfrentar a agenda do governo Temer e da bancada ruralista, que fazem uma ofensiva para desmontar a legislação ambiental e fundiária, para viabilizar a expansão do agronegócio”. Diante disso tudo, organizadores do movimento de resistência convidam a população e demais setores organizados da sociedade a somar esforços “no sentido de impedir tais retrocessos”.

Essa articulação combatida seria responsável por “iniciativas para liquidar as políticas de reforma agrária, uso social da terra, unidades de conservação, grilagem de terras”, assim como por ataques a direitos e territórios indígenas: “Tais investidas buscam disponibilizar estoques de terras para exploração desenfreada” e também para “liberar a venda de terras para estrangeiros”, dizem os movimentos em sentido contrário.

Já a bancada ruralista “avança” (Amazônia, 9/3) na tentativa de “conseguir o fim das terras indígenas e da Funai, a redução das florestas protegidas, a flexibilização de licenciamentos ambientais, a venda de terras para estrangeiros e a remuneração de trabalhadores rurais com moradia e alimentação”. Da mesma forma, reivindica que passe para o Congresso a função de definir “as demarcações de terras para povos tradicionais”. Para isso contaria com 228 parlamentares. E “propõe a extinção da Funai”.

Nesse campo de batalha, mais de 60 organizações, movimentos ambientalistas, indigenistas, defensores de direitos humanos decidiram na semana passada unir-se num “movimento de resistência contra as medidas do governo Temer e da bancada ruralista, que violam direitos” – especialmente de indígenas, trabalhadores rurais e agricultores familiares – e põem “em risco a proteção do meio ambiente”. Diz um documento lançado que o governo Temer representa hoje “a maior ameaça que o meio ambiente e a agenda de direitos têm de enfrentar”. Cita o enfraquecimento dos sistemas de proteção ao meio ambiente “desde que Temer assumiu a Presidência” e desde que “a bancada ruralista passou a integrar o centro do poder”. Para os signatários do documento, “2016 registrou dois tristes recordes: o número de mortes no campo e a quantidade de conflitos por terra”. Diz também o documento que as Medidas Provisórias 756 e 758 “reduzem o grau de proteção das unidades de conservação na Amazônia, enquanto a MP 759 beneficia a grilagem de terras”. Também condenam “medidas que autorizam o uso indiscriminado de agrotóxicos, já anunciadas pelo governo”.

A batalha avança. E até no Conselho de Direitos Humanos da ONU o Brasil sofreu, com a acusação de que somos recordistas mundiais em homicídios. Não é um bom perfil.

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