Pode-se começar, por exemplo, por um caso de Sinop, em Mato Grosso, onde polícia e Justiça Federal proibiram que o ex-gerente do Ibama continuasse a fornecer (www/mpfpa, 3/2) informações privilegiadas a um grupo de pessoas para que as utilizassem em processos que resultariam no “maior desmatamento já detectado na Amazônia” (www/mpf,mp 3/2/2007) – e com a ajuda de funcionários públicos.
Agora, entre as várias recomendações feitas aos investigadores dos negócios de carne bovina no episódio, está a de analisar transações entre alguns dos maiores negociadores do produto, incluído o Grupo JBS, o maior processador de carne bovina no mundo.
Em outro episódio próximo no tempo, o governo de Minas Gerais decidiu ([BOLD]Estado[/BOLD], 4/2) “alterar as regras de licenciamento ambiental no Estado, com o propósito de eliminar o grande passivo de autorizações que passou a acumular”. Como o governo federal não consegue chegar a um consenso para emplacar no Congresso Nacional a nova proposta de Lei Geral de Licenciamento, o Estado “fez mudanças profundas em seu processo no ambiente”. E, pior, fez, “por sua conta e risco” (4/2), com consequências indesejáveis.
Como assinalou este jornal, há duas semanas um decreto estadual passou a permitir que um empreendimento obtenha, de uma só vez, a construção liberada automaticamente – a licença prévia e a licença de instalação. Se o impacto e o risco associados ao projeto não forem tão altos – observa André Borges, autor do texto –, poderá até receber a licença de operação, com os três documentos entregues em uma única fase. O grupo de desmatadores recebia também informação privilegiada a respeito das fiscalizações e atuava para livrar-se, de acordo com esses alertas.
Em outro processo o Ministério Público denunciou mais quatro desmatadores por ações desse tipo e corrupção. Tratores, correntões e combustível foram apreendidos pela fiscalização numa empresa que trabalhava para o mesmo grupo, sem sequer ser registrada pela fiscalização.
Não é indispensável que haja fraude ou desonestidade de agentes em episódios que volta e meia são objeto de denúncias ou desconfianças, como, por exemplo, no setor da reforma agrária, em que mais de 1 milhão de famílias vivem em 9.332 assentamentos espalhados pelo País – e a agricultura familiar responde por quase 38% do valor bruto da produção agropecuária, mantém 74,4% dos postos de trabalho no meio rural e produz quase metade dos alimentos da cesta básica.
Os acontecimentos nesse setor, portanto, vão refletir diretamente na alimentação dos setores de menor renda, aquele milhão de famílias, fora os consumidores. O problema pode estar em desídia ou incompetência de agentes públicos. Por isso é preciso saber por que o governo federal anterior deixou de promover a regularização fundiária nos 12 anos (2003 a 2015) em que entregou apenas 22.729 títulos. Como seria possível fazer reforma agrária com esses recursos – ínfimos, diante da extensão das necessidades? Agora se afirma que com alterações nessas leis de reforma agrária serão emitidos 750 mil títulos de propriedade (diz o engenheiro agrônomo José Ricardo R. Roseno, secretário especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário).
É esperar para ver – de olhos bem abertos para a notícia recente deste jornal de que quase metade dos imóveis destinados ao público mais carente do programa Minha Casa, Minha Vida, construídos entre 2011 e 2014 e com subsídios de até 90%, apresentam algum problema ou incompatibilidade em relação ao projeto, identificados pela fiscalização do Ministério da Transparência. Os imóveis, hoje habitados em mais de dez Estados por famílias que ganham até R$ 1,8 mil, exigiram investimento de R$ 8,3 bilhões. O ministério deu prazo de 180 dias para que as falhas sejam resolvidas. Mas quem pagará pelos custos? E a quem eles são devidos?
Esse é também um dos mecanismos – pouco observados e reprimidos – da concentração de renda no País. As pessoas já menos favorecidas não recebem sequer tudo aquilo a que deveriam ter direito ou pelo que pagaram. E o poder público tem de completar, sacrificando direitos de outros, estranhos, que nada têm que ver com o episódio.
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