Isso também passa rapidamente, os anos escorrem como águas do rio e mudam nossa postura. O ocaso deixa a luz dourada, amena. Somem os brilhos que faziam crer na riqueza em cada reflexo, e os cacos de vidro aparecem. Surge em seguida a certeza de que o ouro, como o diamante, se esconde nas profundezas, e ambos são de quem sabe lavrá-los com perseverança.
A vaidade juvenil se apaga como o vento, a fabricação de hormônio diminui. Começamos a sentir quão ingênuos e tolos fomos no começo.
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro”, disse Mário de Andrade em seu poema dedicado aos “maduros”. “Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço”.
Os rótulos se apagam, e os conteúdos se exaltam. O tempo que foge passa a ter valor extraordinário, inestimável. Não dá mais para errar. Tem que dar certo, as últimas chances têm que dar inapelavelmente certo. Os dias amanhecem como presentes raros; para serem aproveitados, sem ansiedade, mas até o fim.
O sono se faz curto, e as horas na cama são mais pensativas. Não se perde tempo com futilidades, com conversas sem motivo, com lucros sem sentidos. As mentiras e os subterfúgios machucam os ouvidos como sirenes.
Enxerga-se a beleza nos defeitos, nas raridades, no esforço uníssono da natureza para atingir a perfeição.
Depois de muito trabalho, entende-se que a obra mais importante é fazer da vida a verdadeira obra, que a glória não está nesta terra. Compreende-se que quem pede é o mais infeliz, e quem doa sem nada querer é o verdadeiro feliz.
Perde-se a capacidade de levar a sério a teatralidade, a vaidade, o orgulho, as conversas prolixas. Valorizam-se o sorriso, a desculpa singela, um olhar de compaixão.
Aprende-se a ler palavras nos olhos, mais que nos lábios. Ainda a manter a calma mesmo frente à pequenez e à deslealdade. Passa-se a medir as pessoas pela sinceridade que ilumina o universo.
Não são mil beijos que enchem de satisfação, mas um, apenas um, intenso, que gruda na pele um sentimento de amor.
A casca dura se quebra com o peso dos anos, revelando a essência, o doce da vida.
Aí, sim, se entendem quantas oportunidades perdemos, quanta polpa deixamos junto aos caroços.
Só com a bacia vazia descobrimos o fantástico valor das últimas cerejas, dos dias que restam.
Enquanto se aproveita ainda o rarefeito sabor do caroço, os arrependimentos se extinguem, o medo do fim deixa apenas lugar a uma satisfação muda e intensa. A paz retribui a quem cumpriu a sua missão.
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