segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Eles contra eles

É inegável: constrangido a encaminhar-se até as urnas para eleger novos prefeitos e vereadores, há uma semana o brasileiro não poderia ter sido mais eloquente. Como se aproveitasse o pleito para ratificar suas convicções - repúdio ao aparelhamento do Estado e à roubalheira institucionalizada, bem como o apoio ao afastamento de Dilma Rousseff -, impôs uma derrota histórica ao petismo.

Pois, embora a mensagem tenha sido clara, sustentada que foi por estatísticas, e até mesmo previsível, dado o estrago causado pela administração Dilma e a Operação Lava Jato, não têm sido raros os diagnósticos equivocados a seu respeito. Assim como as ginásticas retóricas visando uma salvaguarda partidária.

talking head # 102 - Caulos:
Até faz sentido, por exemplo, decifrar a resposta das urnas como sendo um recado ou mesmo uma vitória da direita. Após tantos anos impregnados pela mitológica dicotomia entre montéquios indignos e capuletos magnânimos, beber no tororó da esquerda compreensivelmente extrapola o cacoete.

Faz sentido, mas está errado.

E está errado, acima de tudo, por inflar a falsa narrativa que sugere uma direita relevante neste país. Infelizmente não é o caso. E este meu lamento, diga-se, nada tem a ver com preferências ideológicas - de espantalhos imaginários já me basta o Fluminense -, mas pela ausência de pluralidade no debate político.

O que o cenário apresenta, isto sim, são matizes do vermelho. Uma miríade de legendas que vão do centro à extrema esquerda e nada além. Por esta razão, é fundamentalmente deseducador alardear uma guinada impossível. E nem vale a pena mencionar o boboca terrorismo embutido no discurso.

Como dizia, cambalhotas argumentativas com o intuito de empanar a voz do povo não deixaram de faltar. A mais ecoada delas tratou de jogar luz sobre o alto percentual de abstenções, em uma tola manobra para manter aceso o discurso do “fora todos” e, de quebra, relativizar o fracasso do PT.

Pois a verdade é que o percentual nacional de abstenções manteve-se alto, deixou clara a descrença geral com a classe política, mas sequer chegou perto de bater o recorde. Esteve abaixo, por exemplo, daquele atingido há 2 anos (17,6% contra 19,4%).

Este país foi embalsamado por um discurso ideologicamente parecido durante grande parte do período pós-redemocratização. Precisamente nos últimos 14 anos, diga-se, a condução esteve nas mãos de um mesmo partido, que por sua vez foi assessorado pelos mesmos parceiros. Apelar para adversários fantasmas ou medos empoeirados, como ficou claro desde domingo passado, ganhou contornos de estratégia vencida.

Os pontos de interrogação que hoje assombram a esquerda, de tão maiúsculos, já não parecem sensíveis à manipulação dos fatos e apenas podem ser respondidos por ela própria.

Enquanto isso, para a grande massa de brasileiros alheia à sua crise existencial, a pergunta que interessa não poderia ser outra: até quando seremos acossados pelo negar-sempre-admitir-jamais, adotado a ferro e fogo e diretamente responsável por inviabilizar um debate maduro?

E, já que estamos aqui, assistiremos a um gesto que seja de arrependimento sincero, não apenas por parte do Partido dos Trabalhadores, mas também daqueles que veladamente o apoiaram sob a malandra chancela da oposição crítica?

O futuro nunca foi tão incerto, precisamos admitir, mas não para os recém-libertos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário