Esforço-me, mas ainda não alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que, como eles dizem, não deseja o progresso do país. Eu sei que, ai de mim, talvez eu não passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um ser humano. Por isso – me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado, catequizado pelo saber histórico dos manifestantes.
Peço, por favor, que me ajudem a entender suas teses, para que eu saia das trevas da ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero me atualizar. Por isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas pequeno-burguesas.
Por exemplo: me expliquem porque a palavra de ordem é “ golpe, golpe”. Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema Corte, o Congresso, o Ministério Público, a PGR, a Ordem dos Advogados e a Associação dos Magistrados do Brasil levaram nove meses para cumprir o ritual constitucional e legitimaram o impeachment, por quê é golpe? A turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez, alguém da direita tenha envenenado a mente desses juízes, congressistas, advogados e procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles, e juntos planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num bar de hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um plano para arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.
Vejo, com assombro de inocente inútil, que ignorei a estratégia bolivariana quando Dilma declarou em campanha que na economia estávamos bem. Frívolo que sou, achei que Dilma estava mentindo; mas logo lembrei que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que Dilma fez bem em encobrir um rombo de R$ 170 bilhões com dinheiro dos bancos públicos.
Quebrou-se a Petrobras, mas já posso ouvir nossa “intelligentsia”: “Os fins justificam os meios, e, se a Petrobras era do povo, seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na mosca. Espantei-me com a visão de mundo que justificou a compra da refinaria de Pasadena por um preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata velha US$ 1,5 bilhão. Mas eu, um idiota da objetividade, tenho a convicção de que vocês me revelarão a límpida verdade: Dilma sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa salvação. Afinal, o que é US$ 1 bilhão diante do socialismo (ou brizolismo) triunfante que virá?
Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a nova matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe. Ou para o brejo. Mas sei que os sapientes comunistas dirão que esse será um brejo iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim, respiro aliviado. Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles dirão, imagino, que um poder popular não podia se ater a normas econômicas neoliberais e tinha de estimular o consumo. Isso criou 12 milhões de desempregados? Sim, mas nossos teóricos rebaterão que, mesmo quebrando o país e provocando inflação, esses 12 milhões sentiram o gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um desejo para o socialismo. Na mosca.
Confesso também que fiquei desanimado com o atraso de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não devíamos financiar portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles me ensinarão que a solidariedade internacional bolivariana é fundamental para a vitória de seu projeto. Quero me penitenciar também por ter me entusiasmado com a Lava Jato, que considerei uma mutação histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações de gente lúcida, como a barbie-bolivariana Gleisi Hoffman e Lindenberg Farias, o homem que salvou Nova Iguaçú, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso. A Lava Jato, hoje o sei, é de direita.
Às vezes, reacionários criticam o governo Dilma por gastar muito em publicidade, porque desde o início do governo do PT foram gastos R$ 16 bilhões. Eu achava isso errado, mas sábias palavras me provarão que a população é uma grande “massa atrasada” e que há que lhe ensinar a verdade do capitalismo assassino.
Também achei pouco elegante a difusão pelo mundo da tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil, achei que uma presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o próprio país. Mas artistas e intelectuais vão sorrir com superioridade e me ensinar (já os vejo...) que a adesão internacional é mais importante que velhas fronteiras nacionais.
Por isso, creio que estou pronto para minha reforma mental. Estou pronto para renegar minhas dúvidas pequeno-burguesas. E logo poderei fazer parte daqueles que invejo por seus rostos iluminados de certeza, por sua sabedoria acima da história e do óbvio.
Assim, poderei participar desses protestos, me sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta: “Fora, Temer!!”
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