terça-feira, 20 de setembro de 2016

História nos autos

Os óculos transitavam entre as mãos, cadenciando a fala diante da câmera. Já durava uma hora o interrogatório do ex-senador sobre a política no Brasil nos últimos 15 anos.

— O senhor diz que o presidente Lula tinha conhecimento do ilícito que estava sendo praticado lá na Petrobras, “arrecadação” de propina, desde a formação do governo. É isso mesmo? — quis saber o procurador.

— É isso. Então, doutor, no princípio era uma coisa mais restrita de menor monta, não atingiu a dimensão que veio depois.


O procurador queria detalhes sobre “a participação do Luiz Inácio Lula da Silva no esquema”. O ex-senador Delcídio Amaral demonstrava ansiedade em contar como foi o fatiamento do poder sobre o caixa da estatal de petróleo para financiar o PT, o PP e o PMDB, entre outros. Petista por década e meia, foi líder do governo Dilma até o início deste ano. Preso por obstruir a Justiça, resolveu fazer um acordo de colaboração, como outros 60 envolvidos (há mais duas dezenas de acusados na fila de negociações em Brasília e Curitiba).

— Sobre o processo “arrecadatório”, de propina, como é que se dava a relação do presidente da República com os diretores da Petrobras?

— Eram os partidos que executavam — explicou Delcídio. — Como ele conversava com os partidos, tinha um acompanhamento quase em tempo real de como cada partido estava agindo dentro dentro da Petrobras. Tinha ciência clara. Evidente que não entrava na execução, mas sabia o que estava acontecendo. Isso aí é inegável. E uma coisa é certa: se um diretor não “desempenhasse”, a reclamação era direta lá no Planalto.

— E ele (Lula) tinha conhecimento de quanto cada diretoria da Petrobras arrecadava?

— Do PT, ele tinha conhecimento claro. Dos outros partidos podia ter uma noção dos valores, pelo tamanho dos negócios. É inegável.

Setembro mal começara e o ex-líder do PT falou por mais uma hora sobre Lula, partidos e propinas em contratos da Petrobras. Na mesma época, em Curitiba, o antigo líder do PP na Câmara, Pedro Corrêa, relatou reuniões com Lula desde a nomeação de Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento da Petrobras, em 2004, para “arrecadação de propina”. Costa “atendia satisfatoriamente”, contou, mas o partido sempre queria mais.

— Em reunião do Conselho Político foi cobrado um ministério. Era eu, (os deputados) Janene, Pedro Henry e o (ministro) Dirceu. O Lula respondeu: “Vocês têm uma diretoria muito importante, estão muito bem atendidos financeiramente, o Paulinho tem me dito”.

No ano eleitoral de 2006, Corrêa e Janene voltaram ao Planalto: — Lula disse não. Nas palavras dele, “o Paulinho tinha deixado o partido muito bem abastecido, com dinheiro para fazer a eleição de todos os deputados”.

Delcídio e Corrêa continuam reconstituindo nos autos judiciais a devastação da maior empresa do país. Em outubro devem recontar a história para a Justiça dos EUA, na companhia de outros dez acusados. Jed Rakoff, juiz de Manhattan, pediu para ouvi-los no processo contra a Petrobras movido por investidores estrangeiros. Em Curitiba, Brasília e Nova York há certeza de que a Petrobras, fornecedores, executivos e políticos envolvidos não conseguirão escapar ilesos de indenizações e punições rigorosas no tribunal de Nova York.

José Casado

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