segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Medalhas de ouro, banana republic

Pelo menos Michael Phelps não fez parte de tal despropósito. O Barão de Coubertin pode assim continuar seu eterno descanso com tranquilidade. Também nós, vivos, respiramos aliviados diante da tela, todos que nos maravilhamos com esse jovem —agora adulto— que ganhou mais medalhas de ouro do que centenas de países.

O que menos importa no “escândalo” (termo sem significado) dos nadadores olímpicos norte-americanos é que tenham empanado seus extraordinários feitos atléticos. Formular uma denúncia falsa é crime, nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo todo. Fazê-lo no Rio foi, além disso, de péssimo gosto, uma cidade seriamente afligida pelo crime, entre outros infortúnios.

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É arrogância demais acreditar que esses quinze minutos de notoriedade são suficientes para se colocar acima da lei: vandalizar um banheiro, fingir um roubo, desafiar e humilhar os guardas de segurança.

Para depois voltar para casa tão elegantemente vestidos. E tudo para esconder uma simples noite de farra. Talvez com a fotossíntese do amanhecer tenham sido capazes de se lembrar dos contratos publicitários em vigor.

O problema maior, no entanto, e que os atletas provavelmente sequer imaginam, é que o incidente evoca o pior das relações entre Estados Unidos e América Latina. Nesse quintal, às vezes cassino, outras bordel, é possível fazer o que não se faz em casa. Farrear, transgredir, embebedar-se, depredar e depois voltar sorrindo.


O incidente dos nadadores olímpicos evoca o pior das relações entre Estados Unidos e América Latina

Ali não há muita lei, de qualquer forma; então parece não fazer diferença. Daí as reações. Sem saber, os nadadores recriaram a Nicarágua dos Somoza, a Cuba de Batista ou a República Dominicana de Trujillo. Não se trata de Guerra Fria, pois tudo isso é muito anterior. É só lembrar-se de William Walker, presidente da Nicarágua em 1856-57, de nacionalidade norte-americana.

Lugar de exploração e aventura, como nas lojas da grife Banana Republic, essa é justamente a história que torna a ser contada. Mas trata-se de uma história que já não funciona, e menos ainda no Brasil. Acossado pelo crime e pela corrupção, pela recessão e pelo desemprego, a crise política e o zika, apesar de tudo o Brasil tem Estado.

Mais ainda, seu poder judiciário é provavelmente o de maior profissionalismo da região e certamente o de maior independência do poder político. O instante em que Gunnar Bentze e Jack Conger são desembarcados de um avião, têm seus passaportes retidos e são colocados à disposição das autoridades revela isso.

Esse instante também deve ter tido um certo sabor de reparação do orgulho nacional brasileiro, tão ferido ultimamente. E para todos os demais significa que faz muito tempo que o quintal resiste a ser quintal.

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