sábado, 6 de agosto de 2016

Medalha de ouro para empreiteiras

Com a Olimpíada, as vísceras e os vícios do Brasil estão expostos ao mundo inteiro: lentidão, falta de espírito prático, mau planejamento, gestão incompetente, mania de improviso e desperdício de dinheiro público. Mas nem sempre fomos assim. O país que construiu sua capital em três anos agora não consegue erguer uma vila em quatro sem precisar de reparos de última hora.

Brasília começou a ser construída em março de 1957 numa região totalmente deserta, sem água encanada, sem eletricidade, iluminação à base de gerador, a mais de mil quilômetros do Rio de Janeiro, máquinas e materiais transportados por caminhão em precárias estradas de terra (às vezes avião), chuvas diárias no mínimo quatro meses ao ano.

No dia da inauguração, 21 de abril de 1960, estavam prontos os principais palácios, com arquitetura sofisticada, o Congresso Nacional, a maioria dos ministérios, quase três mil apartamentos de alto padrão, um canal de TV, um lago artificial, 17 viadutos, duas escolas, um hospital, clubes, restaurantes, dois grandes hotéis, bancos, linha telefônica, aeroporto, 300 quilômetros de energia elétrica subterrânea. E, ao mesmo tempo, se organizou a mudança de parlamentares e milhares de funcionários públicos.


Quase 50 anos depois, em outubro de 2009, o Brasil foi escolhido para sediar a Olimpíada. As obras ficaram a cargo das construtoras mais experientes no país, equipadas com tecnologia de ponta e modernas máquinas de construção pesada, todos os materiais disponíveis, facilidade de transporte, dinheiro à vontade e sete anos de prazo para construir tudo.

Às vésperas do início dos Jogos, faltam acabamentos numa vila olímpica (quatro anos em obras) com 31 prédios comuns de 17 andares, um mercadinho e um refeitório. Inaugurou-se um velódromo (dois anos de obras) inacabado. A linha do metrô (seis anos de obras), com 16 quilômetros de extensão, não está pronta, apesar de o custo ter quase dobrado, de R$ 5 bilhões para quase R$ 10 bilhões.

Na Copa do Mundo não foi diferente. Além dos atrasos injustificáveis, os conselhos regionais de Engenharia e Agronomia constataram má qualidade no acabamento e falhas técnicas em estádios, aeroportos, meios de transporte. Sem falar das obras inacabadas e abandonadas, após bilhões de reais gastos.

É estarrecedora a quantidade de obras públicas mal planejadas e mal executadas no Brasil, descumprindo normas técnicas fundamentais. Os resultados são defeitos visíveis dias após a inauguração: rachaduras e infiltração em moradias do Minha Casa Minha Vida, buracos no Elevado do Joá, defeito na cobertura do Engenhão, rachaduras em asfalto com pouco tempo de uso, desabamento de ciclovia por falta de previsão do impacto das ondas, que já existiam ali muito antes da chegada de Estácio de Sá. Provavelmente, a qualidade das obras da Vila Olímpica também é ruim. Pior para quem for morar lá depois.

É uma estranha mistura de incompetência e esperteza. A má qualidade das obras se deve à incompetência e ao uso de materiais baratos, para se lucrar mais. O atraso nos prazos costuma ser deliberado para se embutirem nos contratos os famigerados aditivos que aumentam o valor final. A licitação e contratação costumam ser feitas por critérios mais políticos que técnicos.

Mas a responsabilidade cabe também ao poder público, que terceirizou a fiscalização a partir do Regime Diferenciado de Contratações, vigente desde 2011. A própria empreiteira que executa uma obra é responsável pelo projeto e pela fiscalização, uma tarefa que deveria ser feita pelo poder público ou entidades independentes.

Por essas e outras, a engenharia brasileira ganharia no máximo uma medalha de bronze numa Olimpíada de obras públicas. E lá no céu, Juscelino Kubitschek deve dar boas gargalhadas quando ouve Lula em sua egotrip dizer que foi o melhor presidente brasileiro de todos os tempos.

Jason Tércio

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