domingo, 28 de agosto de 2016

Comida desperdiçada. E a pobreza crescendo

Nas últimas semanas têm sido muito frequentes na comunicação e nas cartas e artigos de leitores manifestações sobre uma foto estampada em jornais de um menino brasileiro sentado numa cadeira, com o rosto ensanguentado e as roupas rasgadas, após haver ficado debaixo das ruínas de sua casa que desabara – a própria imagem da desolação e da impotência. Nos mesmos dias, outra notícia informava (O Popular, 19/8): a milhares de quilômetros, na Colômbia, autoridades de Bogotá “disseram que a chuva torrencial que caiu na cidade na madrugada de ontem arrastou ao menos 30 moradores de rua que dormiam em duto de esgoto” – a morte nas cloacas, no mundo povoado de pobreza e de notícias tristes.

Que fazer? O Brasil precisa (Estado, 18/5) de mais US$ 7,2 bilhões ou R$ 25 bilhões extras por ano para acabar com a pobreza até 2030. O mundo precisará de US$ 10 trilhões (ou mais de U$S 600 bilhões por ano) para a mesma tarefa, em 15 anos. Mas não há recursos disponíveis, lá e cá, para prover os direitos sociais, criar emprego e renda, etc. O Brasil está em sexto lugar entre os países que mais precisam de recursos para tarefas como essas (em primeiro lugar, a Índia, com US$ 61 bilhões anuais; em segundo, a China, com US$ 37 bilhões; em terceiro, a Nigéria, com US$ 36 bilhões; depois, a Etiópia e a Indonésia).

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “a pobreza nos países em desenvolvimento está aumentando”, em 1950 viviam com menos de US$ 1,90 por dia cerca de 47% da população mundial, em 2012 eram 15%. “Mas o progresso é frágil: 40% dos africanos vivem na pobreza; e nos próprios países ricos a pobreza também aumentou; 30% da população mundial tem apenas 2% da renda total”. No Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a proporção de pobres caiu de 23,4% em 2001 para 7% em 2014; 26,3 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza: eram 40,5 milhões e baixaram para 14,2 milhões em 12 anos E para assegurar US$ 3,1 por dia seriam necessários 0,3% do produto interno bruto; para garantir renda diária de US$ 5 a todos o Brasil precisaria ampliar os gastos sociais para US$ 23,2 bilhões anuais, ou 2% do PIB nacional.

Pawel Kuczynski-Pawel Kuczynski is a Polish artist that specializes in satirical illustration. Born in 1976 in Szczecin, Poland, he graduated with a graphics degree from the Fine Arts Academy in Poznan. Pawel has been focusing on satire since 2004 and has garnered nearly a hundred prizes and distinctions since then. Much of his artwork deals with serious themes such as poverty, greed, politics and mortality. While his subject matter is stark, his illustrative style is whimsical and cartoonis...:
Pawel Kuczynski
Estamos longe, com a taxa de desemprego em 11%, com possibilidade de aumentar até o fim de 2016. Menos de 40% da renda da camada mais pobre da população vem de trabalho remunerado, lembra Guy Ryder, diretor da OIT (Estado, 19/5). Mas no ano passado 343 mil famílias deixaram o programa Bolsa Família por haverem aumentado sua renda (MDS, 12/5); 261,3 mil reduziram o benefício, pela mesma razão; 467,1 mil não se recadastraram. A bolsa contempla 14 milhões de famílias com renda média de R$ 163,57, que significa no total R$ 2,3 bilhões mensais. Entre os beneficiados, 10 milhões de pessoas, ou 5% da população (Estado, 28/4) . Apesar de nossos problemas sociais serem muito maiores que os de países “desenvolvidos”, nossos gastos sociais são menores (edivanbatista@yahoo.com.br, 21/7). Aplicamos 21,3% do PIB em 2013, por exemplo, quando a Alemanha aplicou 27,1% e a Suécia, 29,8%.

Resultado importante é o que mostra (Pnad 2014) que vem caindo desde 2003 o número de famílias da zona rural em situação de pobreza e pobreza extrema (renda mensal até R$ 77), abaixo da meta dos Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, que é de 3% (MDS, 20/11/15). Dado preocupante, porém, é o de que a taxa de desemprego entre jovens da Grande São Paulo está em 36% (Estado, 27/6), quando o desemprego médio na área está em 16%. O desemprego total no País anda pela casa dos 11%; e quase metade desses desempregados é constituída de jovens (Estado, 27/6). A concentração da renda é evidenciada pelo fato de os 10% mas ricos da população deterem, em 2014 (O Popular, 7/5), 38% da renda tributável e 39% dos bens e direitos líquidos totais. A vulnerabilidade dos mais pobres é apontada pelo professor Ladislaw Dowbor: 19% da renda familiar é destinada ao pagamento de dívidas (terra.com.br).

Em abril último a Assembleia-Geral da ONU decidiu criar (FAO, 4/4) o Decênio de Ação sobre a Nutrição, já que 800 milhões de pessoas no mundo passam fome e mais de 2 bilhões sofrem com deficiência de nutrientes; 159 milhões de crianças com menos de 5 anos têm déficit no crescimento; 50 milhões estão abaixo do peso recomendável, enquanto na população geral 600 milhões são obesos. Nesta mesma hora, diz o site Oxfam (21/1) que a concentração da renda continua a aumentar; 62 pessoas têm tanto capital quanto a metade mais pobre da população mundial. Mas há dados diferentes. O Departamento de Informação Pública da ONU relata que 13% da população mundial vive em extrema pobreza e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento adequado – embora as pessoas em pobreza extrema tenham diminuído mais de 50% desde 2002 e a mortalidade materna tenha diminuído 44%; a mortalidade de crianças baixou mais de 50%.

Com tantos problemas, tanta fome, a América Latina continua desperdiçando até 348 mil toneladas por dia de alimentos (FAO, 30/2). Cerca de 36 milhões de pessoas (mais que a população do Peru) poderiam suprir suas necessidades com o que é perdido nos pontos de venda direta ao consumidor. A Argentina perde 12% do que produz. A Unicef alerta (28/6) para o risco de 60 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrerem até 2030 de doenças que poderiam ser evitadas. E 167 milhões viverão na pobreza, apesar de 36% dos cereais, 20% das sementes, carnes e laticínios, 35% dos peixes, 40% a 50% dos vegetais e frutas irem para o lixo ou outros formatos desperdiçadores (Folha de S.Paulo, 20/7). Os Estados Unidos desperdiçam um terço do que plantam. O paradoxo maior talvez seja o da África, que, juntamente com a fome, tem 65% das terras férteis não cultivadas do planeta e 10% da água doce (Eco-Finanças, 22/8).

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