É esquecer que a filosofia foi o berço de toda a ciência, é isolar a ciência da sociedade que a gera e à qual deveria estar dirigida. As ciências humanas são a ponte principal, embora não a única, dessa vinculação. É esquecer, sobretudo, que as ciências sociais nasceram do esforço histórico para estender os métodos da ciência matemática da natureza aos fenômenos humanos. Nas palavras de Max Weber, elas nasceram para “deixar de lado o ingênuo otimismo que via na ciência, ou seja, na técnica cientificamente fundamentada, o caminho real para a felicidade”. Seu conjunto teórico-epistemológico reformulou as “humanidades” previamente existentes (história, geografia, filosofia) e até a análise e a produção literária. Quem duvida, por exemplo, que a psicanálise e a sociologia revolucionaram a escrita ficcional e até a poesia? E acerca da pesquisa lembremos Jean Piaget: “O que de começo parece menos útil pode ser o mais rico em consequências imprevistas, ao passo que uma delimitação inicial de finalidade prática impede que se domine o conjunto das questões, sendo suscetível de deixar escapar aquilo que é mais indispensável e mais fecundo”.
O lugar das ciências humanas na universidade e na sociedade está determinado pela especificidade do seu objeto, contraposto ao tecnicismo crescente das ciências “duras”. A implosão das ciências humanas não as eliminou, mas colocou a necessidade do resgate crítico da sua unidade. O destino das humanidades não é alheio ao da ciência em geral: para Thomas S. Kuhn, a história da ciência é a das revoluções científicas, a das transições de um paradigma para outro, explicada pelo fato recorrente de que homens racionais, que são racionais em virtude de serem homens, e não por serem cientistas, encontrarem fatos que seus paradigmas científicos não conseguem explicar. O “inventário” das ciências humanas concluiu repondo a necessidade de sua recomposição unitária.
Tanto a evolução das ciências humanas quanto a das físico-naturais (em especial a biologia) tendeu a criar uma ponte entre esses domínios aparentemente opostos. Uma zona fundamental de ligação entre as ciências da natureza e as do homem é constituída pelo intercâmbio dos métodos. A identidade parcial entre sujeito e objeto do conhecimento, por outro lado, não constitui uma exclusividade das ciências humanas, pois essa mesma identidade irrompeu também nas ciências físico-naturais. Ela sublinha, por sua dificuldade própria, a centralidade das humanidades como locusde conhecimento analítico, sintético e crítico.
No entanto, as humanidades em geral tenderam a ser minimizadas no ensino fundamental para serem ameaçadas também no ensino superior. Jordi Ibáñez, defendendo as humanidades “frente a uma Administração que as despreza” (sic), afirmou emApuntes sobre las Humanidades en Tiempo de Crisis: “Para que o mundo da política e suas meias mentiras não sujem todo, para que a luta pelo poder não nos submeta a uma extensa e sustentada pantomima baseada na prática da intoxicação, é necessário pensar em zonas sagradas, em muros de contenção, em pontos de referência nos quais a possibilidade de dizer o que as coisas são seja ainda uma experiência consistente, dotada de realidade e sentido”. Palavras mais do que válidas para nosso país.
A interação das ciências naturais com as ciências humanas é uma das chaves para a abordagem abrangente dos problemas encarados pela sociedade, que ultrapassam os limites impostos pela fragmentação científica. Na USP, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), principal centro de humanidades do País, deve ser o fermento principal do seu caráter interdisciplinar, resgatando a especificidade e a unidade das ciências humanas. A faculdade superou, na década de 1990, um debate sobre sua divisão. Em anos recentes, porém, a FFLCH passou a padecer problemas estruturais que comprometeram sua finalidade, determinados pelos recursos escassos e pela combinação perversa da falta de professores com superlotação das salas de aula. Nenhuma queda ou enxugamento de recursos pode justificar essa situação. Um país sem ciências humanas em constante desenvolvimento é um país cego sobre seu passado, seu presente e, sobretudo, sobre seu futuro.
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