segunda-feira, 30 de maio de 2016

A teoria de Piketty e o fracasso do capitalismo à brasileira

Existem vários graus de capitalismo, desde o mais selvagem, ainda praticado em alguns países da África, do Oriente e da Ásia, até alcançar o mais elevado, nas cinco nações da Escandinávia. No caso do Brasil, há décadas tenta-se preservar um estranho tipo de capitalismo, em que a miséria absoluta é forçada a conviver com a riqueza total, embora qualquer idiota possa perceber que esse tipo de contato/convívio social não tem a menor possibilidade de dar certo. O resultado todos veem no dia a dia da classe média alta, que hoje vive protegida detrás de muros elevados, grades e cercas farpadas e até eletrificadas. Somos reféns do capitalismo à brasileira.

Faz lembrar a conhecida a piada do advogado Heráclito Sobral Pinto, a quem conheci quando ele morava no Edifício Zacatecas, em Laranjeiras, abrigado no apartamento da namorada francesa do poeta Manuel Bandeira, no período em que os amigos estavam reformando a casa dele, na rua ao lado. Quando perguntavam a Sobral sobre a democracia à brasileira, ele respondia que isso jamais existiu: “O que há é o peru à brasileira”.

Seis décadas depois, pode-se dizer o mesmo em relação ao capitalismo à brasileira que tentam nos empurrar goela abaixo. Isso não é existe, não pode dar certo e ajuda a explicar o caos em que nos metemos nos governos do PT, a partir do segundo mandato de Lula, quando começou a maquiagem das contas públicas, que culminaram com as trágicas pedaladas de Dilma Rousseff.

Pode-se caminhar com firmeza na análise do modelo brasileiro seguindo a trilha do economista francês Thomas Piketty, que balançou as entranhas do sistema financeiro mundial no início de 2013, ao lançar “O Capital no Século XXI”, com uma realística visão da trajetória da moderna Economia Política, que vem sendo ensinada equivocadamente nas universidades.

A tese de Piketty tem base numa fórmula simples e impactante que explica a desigualdade econômica: “r > g”. Ou seja, o retorno sobre o capital é geralmente maior do que o crescimento econômico. Isso significa que, ao contrário do que os otimistas pensam, a desigualdade econômica mundial não tende a diminuir. Muito pelo contrário, o abismo econômico e social está se aprofundando, acreditem se quiserem, como dizia Robert Ripley, o cartunista mais famoso do mundo no século passado.

O fato é que o economista francês conseguiu mesmo provar que, ao longo da História, o rendimento do capital tem sido maior do que o crescimento da economia, independentemente da evolução da produtividade. Quem detém capital (bens imóveis, patrimônio, investimentos financeiros ou empresariais) sempre se beneficia mais do crescimento do que quem depende de seu trabalho. E quando ocorrem as crises, a classe média se julga atingida pelos ajustes fiscais e pela queda da qualidade dos serviços públicos, mas na verdade quem mais sofre são os trabalhadores menos classificados e os desempregados.

É evidente que existem grandes diferenças entre os países. “É verdade que o caso da Europa não é exatamente o mesmo que o dos Estados Unidos. O movimentoWe are the 99% [em tradução livre, Somos os 99%, em referência aos 99% dos cidadãos que não estão no topo da pirâmide de renda, criado pelo movimento Occuppy Wall Street] tem mais sentido nos EUA ou em lugares como Londres, porque neles o peso do setor financeiro e do capital na economia é muito maior. Na Europa, a maior fonte de desigualdade é o desemprego”, diz Piketty.

A seu ver, o sucesso do livro “O Capital no Século XXI” revela a necessidade de maior democratização do debate econômico, para permitir que as pessoas formem sua opinião e se participem da discussão dos problemas que interessam a todos, indistintamente.

No caso específico do Brasil, que é um país surrealista e muito diferente dos demais, o problema é a insistência na criação de um capitalismo sem risco, com altas taxas de juros, que induz as pessoas a aplicarem o capital no mercado financeiro, ao invés de investi-lo em atividades realmente produtivas, que possam gerar empregos.

Sob o ponto de vista prático, o dinheiro da corrupção brasileira poderia até ter efeito benéfico ao país, se os corrompidos o investissem aqui na abertura ou expansão de empresas. Mas o que fazem? Simplesmente, abrem contas secretas em paraísos fiscais, para esconder e proteger o dinheiro sujo, porque não confiam no país. Justamente por isso, o crime de corrupção envolvendo patrimônio público deveria ser punido com severidade máxima, mas no Brasil quem faz as leis acaba delas se beneficiando.

A crise no Brasil é passageira, já tivemos outras, até piores, porque desta vez a inflação ainda não se descontrolou. Quinto maior país do mundo em extensão territorial e população, o Brasil continua a ser um gigante meio abobado e atraente. Das 500 maiores empresas do planeta, 400 estão instaladas no Brasil e isso tem um enorme significado. Sabem que nosso potencial de crescimento econômico é extraordinário. Se explorássemos melhor os minérios e impedíssemos que fossem contrabandeados, já seria um bom começo. Muitos outros setores são altamente viáveis e estão pouco explorados. Mas quem se interessa?

Quanto a Thomas Piketty, que já visitou nosso país algumas vezes, jamais vai entender a economia brasileira. Somente conseguirá nos compreender em outra encarnação, se nascer aqui e der a sorte de sua família ter condições de pagar escolas de primeira linha. Se estudar em escola pública, vai ser mais difícil.

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