É uma situação extremamente delicada, pela qual o Brasil não passava desde o fim dos governos militares. Talvez nem mesmo a dúvida que se instalou na madrugada de 15 de março de 1985, quando Tancredo Neves adoeceu e não tomou posse, tenha sido tão inquietante quanto a situação que vivemos hoje. Na ocasião, assumiu o vice, José Sarney, com o apoio das forças políticas, e a vida seguiu.
Hoje, estamos longe desse tipo de consenso. Instalou-se um vazio. Os agentes políticos giram todos em torno das articulações contra e a favor do impeachment e o Brasil parou. Mas tudo sempre pode piorar, e o maior risco é a crise rotineira de cada dia dar lugar a algum abalo inesperado ou evento que exija reações rápidas e decisões fortes. Por exemplo, uma epidemia grave, um acidente natural ou catástrofe, um desentendimento diplomático sério ou qualquer situação emergencial do tipo que demande intervenção imediata do governo. Que governo?
Enquanto durar tal situação, o país continuará a milhares de quilômetros de distância de qualquer medida, proposta, plano ou iniciativa para sair do fundo do poço onde se encontra e tentar recuperar a economia, vinda de Dilma ou de Temer.
O mais grave é que ninguém sabe bem quanto tempo se levará para desatar esse nó. A precariedade institucional pode se estender para além da substituição formal de Dilma por Temer. Afinal, legalidade nem sempre vem acompanhada de legitimidade, e vice-versa.
Foi constitucional e legal, por exemplo, a decisão da Câmara de aprovar o impeachment da presidente da República. Assim como também é legal que ela, ainda no exercício do cargo para o qual foi eleita, dê declarações condenando os que a condenaram. Dilma não pode tomar decisões ilegais ou inconstitucionais que excedam o mandato legal que recebeu da Constituição, mas pode espernear. Como presidente, ela resolveu espernear em Nova York, na ONU. Não deixa de ser um direito seu. Enquanto não for apeada do cargo de presidente, fala pelo Brasil nos foros internacionais.
Michel Temer tem também o direito, e até o dever, de fazer suas articulações para montar uma equipe que tem que estar pronta quando assumir, provavelmente entre 12 e 17 de maio, com a aprovação pelo Senado da admissibilidade do processo – hipótese sobre a qual ninguém tem dúvidas. A partir dessa data, será legalmente presidente e poderá governar. Mas não plenamente, pois será interino enquanto o Senado não julgar em definitivo a presidente, em até 180 dias.
O maior medo de Temer e seus aliados hoje é que, com a legalidade de sua posse, não venha a legitimidade necessária para governar de fato. Há grande preocupação com os movimentos de Dilma e do PT de Lula, com seu discurso colando ao impeachment a palavra golpe e chamando o vice e seus aliados de traidores. A incursão internacional de Dilma, junto à mídia e agora no cenário da ONU, pode ser desastrosa para o Temer num momento em que precisa passar a idéia de que poderá resgatar a credibilidade da economia.
Michel Temer - que não conta com bons índices nas pesquisas - sabe que, independentemente da data da posse legal, só vai virar presidente de verdade quando e se convencer o país de que tem condições de liderá-lo, e que isso passa pelas primeiras medidas rumo à recuperação da economia. É a tal da legitimidade, que os governantes conquistam nas urnas e, mais raramente, em atitudes, gestos e realizações.
Se essa legitimidade não for conquistada, é grande o risco de crise institucional no presidencialismo à brasileira. Em pouco tempo, vamos estar discutindo a sério a antecipação das eleições, o parlamentarismo e outras idéias malucas. Até lá, apertem os cintos porque o piloto continuará sumido.
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