A miséria tá na cara
Numa festa em Inglaterra, um assim chamado intelectual perguntou-me por que é que eu escrevo sobre necessidade e miséria. Como se fosse perverso fazer uma coisa assim! Queria saber se o meu pai me batera ou a minha mãe fugira de casa e eu tivera assim uma infância infeliz. Respondi-lhe: "Não, tive uma infância muito feliz." Ficou, assim, a considerar-me ainda mais perverso. Abandonei a festa o mais rapidamente possível e meti-me num táxi. Na divisória de vidro que me separava do motorista estavam afixados três autocolantes: um pedia ajuda para os cegos, um outro ajuda para os órfãos e o terceiro apoio aos refugiados de guerra. Não é preciso procurar a necessidade e a miséria. Elas gritam-nos em pleno rosto, até mesmo nos táxis londrinos.
Samuel Beckett, escritor e dramaturgo irlandês (1906-1989)
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