O Aedes aegypti é um produto do “Aedes brasilis”: os brasileiros imprevidentes com saneamento e educação cívica. A consequência do casamento entre esses dois Aedes é o sofrimento de milhões de doentes contaminados com o vírus da dengue e de milhares com o zika vírus, que, possivelmente, provoca a tragédia da microcefalia.
O cérebro humano cresce três gramas por dia durante o terceiro trimestre de sua gestação; depois, mais dois gramas diários durante os seis primeiros meses de vida, dependendo da alimentação e de estímulos físicos e educacionais. A partir daí, continua crescendo lentamente, ao longo de alguns anos iniciais de vida, mas seu potencial intelectual cresce de forma indefinida graças aos diversos meios de educação, sobretudo na escola. Raramente a natureza interrompe o crescimento natural do cérebro, mas, no Brasil, nós o fazemos pela omissão como tratamos o locus do seu desenvolvimento: a escola.
Desde a Proclamação da República, provocamos limitações intelectuais em dezenas de milhões de brasileiros, contaminados pelo Aedes brasilis, que induz o analfabetismo, impedindo os cidadãos de reconhecer a própria bandeira, por não serem capazes de ler “Ordem e Progresso”. Esse é o grau mais violento, mas não o único, na interrupção do crescimento intelectual do cérebro provocado pelo Aedes brasilis.
Também é vítima dele cada criança jogada para fora de uma escola de qualidade antes do fim do ensino médio. Ao longo de nossa história, a maior parte da nossa população vem sendo contaminada por um zika vírus social transmitido pelo Aedes brasilis. Ainda mais grave para um país que se diz republicano, o transmissor seleciona a vítima conforme a renda familiar. As crianças de alta renda dispõem de recursos para protegerem-se do vírus da microcefalia intelectual e são vacinadas em boas escolas, enquanto as crianças de baixa renda ficam condenadas ao vírus social.
A tragédia pessoal desses milhões de contaminados se transforma em tragédia histórica porque, ao impedir a população de desenvolver plenamente seus talentos intelectuais, o Aedes brasilis limita o aproveitamento de centenas de milhões de cérebros, provocando uma microcefalia social que impede a transformação do Brasil em um potente centro de desenvolvimento científico e tecnológico.
As consequências dessa anomalia social são o atraso econômico e social; além de dificultar o avanço político e a construção de uma sociedade democrática, eficiente e harmônica. Ainda mais, é a microcefalia intelectual que impede o Brasil de ter os sistemas de saneamento e de educação cívica, propiciando o desenvolvimento do mosquito da dengue, da chikungunya e do zika vírus. O Aedes brasilis provoca microcefalia social, que termina sendo a principal causa das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e todas as demais formas de pobreza intelectual.
Cristovam Buarque
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