O rio? É doce
A Vale? Amarga
(Drummond/Lira Itabirana/1984)
Mariana, distrito de Bento Rodrigues, Minas Gerais, Brasil. Barragens de Fundão e Santarém estouram, rompem paredes de contenção. Tsunami de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos, carregados de metais pesados, rolaram terra adentro.
Incontida, a lama devasta, soterra e mata – gente, bicho, plantas, água, história. Seca, pavimenta 500 km de solo brasileiro. São 11 mortos/gente contados até agora. Quantos mais estarão sob o barro seco?
Ai, antes fosse
mais leve a carga
O governo lamenta. O dono da lama – a Vale do poema de Drummond - tem no nome o rio que faz agonizar: Rio Doce. Ainda não providenciou contenção da lama. Promete fazê-lo. E também socorrer, indenizar, pagar multa. Um bilhão paga o estrago?
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais?
31 de outubro, no Sinai, avião explodido. 220 mortos. 12 novembro, Beirute, 41 mortos, 230 feridos. 14 novembro, Paris, 129 mortos, 352 feridos. Todos civis. A maioria jovens.
O assassino batizou-se de EL. Diz-se califado. Em nome de fé bruta, degola e queima prisioneiros, estupra e escraviza mulheres, faz de seus fieis bombas humanas, ameaça, aterroriza o mundo inteiro.
Barbariza na guerra da Síria que, desde 2011, já fez 250 mil mortos - 72 mil civis, 12 mil crianças -, quatro milhões de refugiados.
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Neste 2015, de 162 países do mundo, só 11 não estão envolvidos em conflitos armados, contabiliza a ONG IEP (Institute for Economics and Peace’s). O Brasil é um desses. Aqui, matamos muitos – tantos quantos nas guerras -, mas aos poucos.
Em São Paulo, até este novembro, 15 chacinas fizeram 62 mortos. No ano passado houve outras 15, de 64 mortes. Ano a ano, elas acontecem às pencas, sempre nas periferias pobres. Não só em São Paulo.
Como nos assassinatos do EL, os mortos são civis, inocentes e majoritariamente jovens.
A violência urbana brasileira dribla estatísticas com eufemismos. “Mortes de autoria desconhecida” ou “em confronto com a polícia”, significam a mesma coisa: execuções praticadas pela polícia. Essas que vemos na TV, gravadas em vídeos de perplexos anônimos.
Neste 2015, a autoria desconhecida já abateu 120, só em SP, onde os matados em confrontos com policiais, até novembro, já somam 57. Em 2014, foram 853.
Por todo o Brasil, também matamos muitas dezenas de policiais. Temos milícias e justiceiros, compostas de assassinos com e sem fardas. A matança nacional bate guerras celebres, como as do Vietnam e a do Iraque.
Mas não estamos em guerra, como a França declarou-se hoje. Nem padecemos de terrorismo e terroristas oficiais. Apenas praticamos, com empenho, descaso e impunidade. (Inclusive com espancadores de mulheres. Deles, na maior cara de pau, diz-se: “são apenas homens imperfeitos”).
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Hoje, nossas lágrimas não caem apenas pelos assassinados de Paris. Temos dores e lágrimas pelo descaso com os mortos e com a tragédia de Mariana.
Ainda que disfarçadas, choramos lágrimas de medo – de muito medo das desumanidades, que chegam cada vez mais perto. De todos. No mundo inteiro.
Tânia Fusco
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