quinta-feira, 15 de outubro de 2015

É histórica mas não eterna


“Adeus meu conde da Cunha/ Adeus vinte mil cruzados/ Que julgo por mal parados/ Pois os pus na vossa unha...” Os versos populares com os quais o povo do Rio se despedia de D. Antonio Álvares da Cunha, vice-rei do Brasil, em 1767, reiteravam a fama de ‘amigos do alheio’ que as autoridades coloniais tinham.

Entre nós, vem de longe o tráfico de influência e a corrupção: Caminha, ao relatar a descoberta da nova terra ao rei D. Manuel, pediu emprego para um de seus sobrinhos e anistia para um cunhado, que tinha sido condenado por roubar uma igreja. Colonizar, desde Tomé de Souza, primeiro governador geral, era distribuir sesmarias e privilégios hereditários. Com a chegada da Corte, em 1808, D. João ofertou mais títulos de nobreza do que a própria monarquia portuguesa ao longo de seus sete séculos, lembra o jornalista Laurentino Gomes. Pedro Calmon, historiador, afirmou que para ganhar título de nobreza em Portugal eram necessários 500 anos, mas aqui bastavam 500 contos! A casta no poder não tinha a menor parcimônia com o Erário: “Quem furta pouco é ladrão/ Quem furta muito é barão/ Quem mais furta e esconde/ passa de barão a visconde”.

A República dos Bacharéis e Coronéis (donos de gado e gente) manteve o desprezo pela ética pública. A chamada Revolução de 30 – aquela que, segundo Antonio Carlos, presidente da província de Minas, foi feita “antes que o povo a fizesse” – clamou sem êxito por novos costumes na política. A de 1964 declarou-se “contra o comunismo e a corrupção”, mas hoje sabemos (e cantamos, com Chico e Francis) que “sofria a nossa pátria-mãe tão distraída/ sem perceber que era subtraída/em tenebrosas transações”.

E cá estamos neste outubro do ano da (des)graça de 2015. A presidente, eleita por 55 milhões de brasileiro(a)s, não consegue começar a governar, e amarga herança maldita de seu demiurgo e dela própria. As duas casas do Congresso Nacional são presididas por investigados na Operação Lava Jato. O da Câmara, um Cunha que se proclama cristão mas tem práticas ‘nobiliárquicas’ que revelam adoração pelo deus-dinheiro, é acusado de fazer negócios ocultos e milionários no exterior. Soaria hipócrita um processo de impeachment da presidente liderado por quem tem mais prontuário que currículo.

Há luz no fim do túnel, porém. E não é um trem vindo em nossa direção. O que nos dá uma réstia de esperança é a existência de uma crescente consciência cidadã; um Ministério Público que investiga; uma Justiça que, sem estar livre da cultura do favorecimento, condena, práticas ilícitas do andar de cima. Quem sabe antes do bicentenário da nossa independência não conseguimos, afinal, proclamar a República?

Chico Alencar

Nenhum comentário:

Postar um comentário