segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Os caminhos divergentes, mas paralelos, de imprensa e publicidade

Num brilhante artigo publicado na edição de quinta-feira de O Estado de São Paulo, o professor Eugênio Bucci, da USP, analisou com profundidade as diferenças fundamentais que distanciam o jornalismo da publicidade comercial, embora as duas atividades sejam, a meu ver, como duas linhas paralelas que se acompanham entre si, porém não têm um destino comum, tampouco se misturam uma a outra. Interessante a questão já que os propósitos contidos e ocupados pelas duas vertentes profissionais são veiculados no mesmo meio de comunicação, no caso os jornais impressos. Na televisão não é diferente, o que leva a todos nós leitores e espectadores a separar os propósitos que sustentam o jornalismo daqueles que alimentam a publicidade.

A questão parece desafiadora e complexa, já que a principal receita dos jornais impressos provém da publicidade, muito superiores à receita conseguida por sua venda avulsa, incluindo as bancas tradicionais e as assinaturas.


Devemos atribuir o mesmo cenário também às edições digitais que cresceram, por exemplo, 118% em 2014 segundo o comunicado da Associação Nacional de Jornais divulgada em O Globo também na quinta-feira. Vale frisar que o número de leitores das edições impressas cresceu apenas 64% no mesmo período. As duas vertentes convergem e emolduram o universo da comunicação mais sólido, pois a leitura termina influindo muito mais na percepção e sobretudo na análise dos acontecimentos do que as mensagens recebidas através da televisão e das emissoras de rádio.

A publicidade está presente, porém em escala muito menor nas edições digitais do que nas edições impressas. É natural porque as edições impressas são lidas em média por cerca de 2,5 pessoas cada uma, enquanto os acessos digitais são unitários. A ANJ, no comunicado através de O Globo acentua que, no mundo todo os jornais impressos reúnem um universo de 2,5 bilhões de leitores por dia. O que dá uma média aproximada de 700 milhões de exemplares. Mas esta é outra questão.

A questão da credibilidade e da autenticidade da informação e da análise encontra-se muito mais nas edições impressas e digitais quando da responsabilidade das empresas jornalísticas. Mais do que nas redes sociais em geral, por um motivo muito simples: nos jornais e nas emissoras de televisão funcionam editores selecionando as matérias a serem produzidas. Não é o caso das redes sociais, nas quais cada um é editor de si mesmo. Por este motivo é que informações divulgadas através de redes sociais levam a todos nós a buscar a plena confirmação nas matérias dos jornais digitais e nas edições impressas no dia seguinte. Nas edições digitais podem ou não serem confirmadas no mesmo dia. Faço a ressalva para atribuir o devido valor a essa forma moderna e feliz de comunicação.

Voltando ao tema título, entretanto, retornando assim à colocação de Bucci, devemos todos nós, jornalistas ou não, considerar a diferença entre o jornalismo e a publicidade. O jornalismo parte sempre de um teorema, algo que precisa ser comprovado na prática, completamente diverso da publicidade comercial, que tem origem num axioma, na matemática algo para o qual não há necessidade de confirmação.

Como então convivem duas rotas paralelas que, por definição nunca se encontram? A resposta é simples. O jornalismo alimenta a publicidade, torna-se seu veículo insubstituível, enquanto a publicidade adquire os espaços para veicular seus propósitos, ofertas e mensagens. A liberdade de imprensa, como assinalou muito bem Eugênio Bucci, não depende da publicidade. Em muitos casos os choques são evidentes.

Por exemplo, veja-se o caso específico da Odebrecht, uma das maiores anunciantes do país. Mas nem por isso jornais como O Globo, a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e o Valor deixaram de noticiar com grande destaque as acusações da operação Lava-jato que pesam contra a empresa e pessoalmente contra seu presidente, Marcelo Odebrecht, herdeiro de uma grande potência empresarial. Pelo contrário.

Basta ler os jornais de 3 de setembro sendo que o Estado de São Paulo publicou editorial afirmando que no seu depoimento a CPI da Petrobrás verificou-se uma vassalagem por parte de alguns deputados em relação a ele. Tal vassalagem, acrescentou o jornal, só pode ter uma razão: a dependência expressa daqueles parlamentares a financiamentos recebidos da empresa em campanhas eleitorais ou fora delas. Outra prova de desvinculação total entre a publicidade e o jornalismo também pode ser encontrada nas edições de quinta-feira que focalizaram a débâcle da Unimed em São Paulo.

A Unimed é outra grande anunciante e nem por isso foi refrescada pelos fatos que a levaram a ter que transferir 774 mil clientes inscritos em seu seguro saúde para outras empresas que desejarem assumir as responsabilidades que lhe pertenciam e que não teve condições de cumprir. Uma reportagem de Paula Felix, na mesma edição de O Estado de São Paulo, destacou o problema da empresa e das dificuldades que os clientes encontrarão para se transferirem a novos planos como foi determinado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Poderíamos citar uma série infindável de outros exemplo. Porém esses dois são suficientes. Uma coisa é a publicidade comercial, outra é o jornalismo profissional. Os leitores e administradores públicos e privados não se devem deixar iludir quando alguém lhes apontar uma conveniente convergência que, na prática, não existe. Fica aqui esta informação que julgo importante e fundamental.

Pedro do Coutto 

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