quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O que faz você se indignar?

Uma imagem, dizem por aí, vale mil palavras.

Sem dúvida esse é o caso da foto do menino Aylan, de apenas três anos, vítima de afogamento quando tentava imigrar com sua mãe e seu irmão para a Grécia. A inocência da criança é inquestionável; a injustiça também.

As reações à morte de Aylan não se fizeram esperar. Os líderes políticos europeus mudaram o dicurso, mas a mudança é tanto hipócrita como tardia. Apenas no dia 14 de setembro apresentarão uma nova proposta para lidar com os refugiados. E certamente não incluirá a todos os governantes europeus. Enquanto isso, novas iniciativas cidadãs vão surgindo, às margens dos governos. Em vários países, grupos de europeus dão mostras de solidariedade e de ajuda. A página de ativismo Avaaz coletou mais de um milhão de assinaturas virtuais em um abaixo-assinado publicado em várias línguas com o mesmo texto, conclamando a União Europeia a mudar sua política frente aos refugiados.

Aqui no Brasil não faltaram mostras de indignação, simpatia e vergonha alheia. Mas também logo surgiram as reclamações dos internautas: nós também não temos os nossos Aylans? Por quê essa indignação importada e seletiva?

Primeiro, porque Aylan é símbolo de sofrimento que poderia ter sido evitado. Não é fruto do destino, do infortúnio, da má sorte. Poderia ter sido evitado se houvessem mais esforços para acabar com o conflito na Síria. Poderia ter sido evitado se os governantes europeus não tivessem fechado os olhos para o drama dos refugiados. Em segundo lugar, Aylan é símbolo da injustiça e das disparidades econômicas e sociais que separam os países ricos dos pobres, das quais as vítimas mais inocentes são justamente as crianças.

Mas aqueles que reclamam da falta de indignação com os outros “Aylans” têm razão. A indignação é sempre seletiva, e a mobilização contra a injustiça também.

Vanessa dos Santos Silva, 7 anos, Corumbiara, 1995

No mês passado, cumpriram-se vinte anos do massacre de Corumbiara, em Rondônia. Mais de dois mil trabalhadores sem terra haviam invadido uma fazenda, onde estavam acampados. No conflito durante o cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse, doze pessoas morreram. Entre elas, a menina Vanessa dos Santos Silva, de 7 anos, morta com um tiro nas costas.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, apenas no primeiro semestre deste ano ocorreram 23 assassinatos relacionados com conflitos no campo, sendo a maioria deles no Pará e em Rondônia, justamente os lugares dos piores massacres da década de 1990.

Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, Rio de Janeiro, 2015

Em abril deste ano, durante operação da Polícia Militar no Conjunto de Favelas do Alemão, o menino Eduardo de Jesus Ferreira morreu atingido por uma bala na porta da sua casa. A investigação comprovou que o tiro saiu de um fuzil da PM.

De acordo com a ONG Rio da Paz, além de Eduardo pelo menos outras 13 crianças foram mortas durante tiroteios entre policiais e traficantes desde 2007. Chamadas de vítimas de “balas perdidas”, como se tivessem apenas tido azar por estar no lugar errado na hora errada, na verdade são vítimas da incompetência, da injustiça e da indiferença da sociedade.

O relatório da ONG Anistia Internacional, “Você matou meu filho!: homicídios cometidos pela Política Militar na cidade do Rio de Janeiro”, publicado recentemente, apresenta dados impressionantes sobre as execuções extrajudiciais realizadas por policiais. Dá atenção especial para aquelas ocorridas entre agosto de 2014 e julho deste ano na Favela do Acari. Dos dez casos documentados, em quatro as vítimas já estavam feridas ou rendidas quando foram executadas.

A Favela do Acari é a mesma que ficou famosa em 1990, quando de lá desapareceram 11 jovens. Apesar das buscas intensas, dos protestos e das suspeitas do envolvimento de policiais no sequestro e assassinato dos jovens, os corpos nunca apareceram. Em 1993, Edimea da Silva Euzebio, uma das líderes do grupo Mães de Acari, foi assassinada no meio da rua quando buscava informações sobre o filho desaparecido.


O que faz você se mobilizar?

Quem participa de movimentos sociais sabe que não há fórmula mágica para chegar à indignação, e nem para conseguir que a sociedade dê o passo crucial da indignação à ação. Também sabemos, no entanto, que quando uma imagem simboliza de forma nítida a injustiça e o sofrimento de inocentes, como a foto de Aylan, há uma onda de indignação que pode ser aproveitada para alcançar mudanças que antes não seriam possíveis. Na era da Internet, essa imagem percorre o mundo com uma velocidade inimaginável à época dos massacres de Acari ou de Corumbiara.

No entanto, mesmo essa indignação global, potencializada pelas novas tecnologias da comunicação, tem prazo de validade. O trabalho contínuo e árduo daqueles que ficam ao lado das vítimas antes e depois das tragédias é o verdadeiro motor de mudanças duradouras.

O grande desafio dos que hoje choram pelos Aylans, daqui e de lá, é dar continuidade à mudança.

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