quinta-feira, 30 de abril de 2015

Essa mania de ser burro


Humildade é sinônimo de Inteligência. O homem sábio sabe que não sabe. Ao passo que o burro é arrogante
Não há quem não goste de imaginar impérios em guerra ou estórias de fadas. A inteligência é a imaginação, única possibilidade humana realmente livre. Talvez a imaginação seja a própria inteligência, a vocação humana. Seu exercício é saudável, alegre, leva à felicidade, ao jogo e ao sexo. Os artistas sabem disso e afirmam em seu exagero congênito que os homens somente serão felizes quando forem todos artistas. Enquanto isso, as pessoas se preparam a vida inteira para fazer o que não gostam e ensinar os filhos a fazerem o mesmo, em troca do níquel de cada dia. Inteligente ou burro? Talvez a única atitude inteligente seja viver. Para ficar mais inteligente ainda. Na certeza de que assim cairão moedas de ouro dos céus.

Somente existe uma fome: aquela do sentido de viver. O resto é burrice. Se me permitem a palavra.

Há quem prefira terceirizar o ato de imaginar. Esqueçam aquele muro francês no qual Marcuse pichou “Seja razoável: peça o impossível”. Aqui, nessas paradas tropicais, é cada vez mais proibido pensar. Especialmente perto do poder. O político brasileiro que tem uma boa ideia original, gasta imediatamente 75% da verba criando uma comissão ou um novo órgão de sete andares com impossível folha de pagamento. Para que assim o crime da opinião pessoal passe a ser dividido por um coletivo. Claro que o Juca ministro tem que ter opiniões próprias sobre a Lei Rouanet, aquele dinheirão do povo. Afinal, ele é ministro para isso, para pensar. Para fazer planos, ter convicções suas. A inação é espinha dorsal de quase todo serviço público. Se me permitem a palavra. Geraldo Mateus nos tempos idos reuniu todos os empregados do Teatro Municipal para uma conversa sincera sobre os problemas da instituição, no dia em que tomou posse na diretoria. Um senhor encanecido no fundo da multidão todavia lhe fazia sinais constantes que prometiam dizer lá fora a verdade inconfessável. Geraldo sentou-se com ele no Amarelinho e ouviu a sentença da experiência: “Doutor, o Teatro Municipal não tem problema, doutor. Quando não tem espetáculo, não tem problema. Os problemas são os espetáculos”. Ah, essa mania de ser burro! A burocracia, não é à toa que a palavra soa parecido, é uma máquina engenhosa armada há séculos para não fazer nada. Ou o mínimo possível.

Os advogados, os médicos, os engenheiros, os profissionais liberais de modo geral trabalham seguindo procedimentos e normas. Quem chegou perto sabe, não são muito inteligentes, se me permitem a palavra. Em todo agrupamento, de escoteiros até qualquer senado, a maioria é burra. Exceção feita aos leitores deste artigo, todos inteligentes.

Quando eu era menino, achava que todas as pessoas eram inteligentes. Burrice minha. Mas nunca transformei isso em julgamento moral. Os inteligentes não merecem mais que os burros. A propósito, todo homem inteligente tem por obrigação primeira perceber o esplendor do outro. Todo homem é esplêndido, burro ou inteligente, todo ele reflete o Universo.

Observa-se que entre os homens cultos é muitas vezes encontrado um índice de burrice estonteante. Em contrapartida verifica-se que a Ignorância e a Simplicidade sempre constituíram campo fértil para o aparecimento das grandes almas. Alma é sinônimo de Inteligência.

Difícil conceituar a Inteligência, porém fácil reconhecer-lhe atributos. O primeiro deles é, sem dúvida, a humildade. Humildade é sinônimo de Inteligência. O homem sábio sabe que não sabe. Ao passo que o burro é arrogante. Essa é a parte mais triste de toda a história, verdade capaz de fazer rolar até lágrimas de burro: o burro não ama. Sente que lhe falta algo que o inteligente possui. Mozart disse que para ser um gênio não basta talento. É preciso também um grande Amor. O burro não ama! Amor é também sinônimo de Inteligência.

Os Inteligentes, além de terem entre si grande carinho e admiração, plagiam-se constantemente, sem o menor pudor. Não tentam ser originais. Sabem que são um só acidente da Natureza. Ou terá sido seu recurso de emergência? Do qual a Natureza lançou mão para cuidar da sobrevivência da espécie, antes que os burros a destruam?

Quase tudo que é importante na sociedade atual não é apenas importante, mas também burro. Trata-se do Império da Burrice, como outrora foi o Império Romano.

Antes de publicar esse pensamento pesquisei no Google. Guguei burramente e descobri que todo cronista, de Rui Barbosa a Nelson Rodrigues, passando por Sarney e Jabor, um dia escreveram crônicas sobre a Burrice. Arrependi-me do lugar-comum. Mas o assunto continua sendo oportuno. “Respeito a burrice, porque ela é eterna” (N.R.).

A propósito: a decisão editorial do GLOBO de retirar os “tijolinhos” do teatro, não digo que tenha sido burra, já que escrevo aqui, mas foi feia à beça. O teatro já tem tão menos do que merece!
Domingos de Oliveira

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