segunda-feira, 27 de abril de 2015

Corrupção


O regime político da pós-democracia latino-americana
O termo está nas manchetes dos jornais. Descreve a vasta maioria dos governos latino-americanos. Sem dúvida, o vírus em questão não é exclusivo desta parte do mundo, mas a variedade endêmica pareceria ser resistente e estar em fase de propagação. É matéria de epidemiologia, e também acontece na saúde pública: os governos que negam a existência do mal, ao mesmo tempo, se apresentam como os campeões da luta contra ele; neste caso, a tão maldita corrupção.

O problema não são apenas as atividades criminosas, que não são escassas, mas também a reprodução de condutas que nem sequer são consideradas ilegítimas, muito menos delitos. É que, além de afetar o uso dos recursos públicos, esta epidemia modificou o marco cognitivo da elite política latino-americana. Não entendem, por exemplo, a noção de conflito de interesse, tanto quanto a de tráfico de influências. A corrupção se naturalizou, e a linha que separa a legalidade da ilegalidade tornou-se flexível e porosa. Aqueles que ocupam as alturas do poder se eximiram da terrenal obrigação de render contas, de responder pelos atos de seu governo. Com o contágio se generalizou a impunidade.

Na Venezuela, as contas de funcionários em bancos da Suíça e de Andorra, e as cifras delas, são lendárias. Representam vários pontos do produto interno bruto. Qualquer denúncia a respeito é traduzida pelo aparato oficial de propaganda como uma conspiração desestabilizadora. Nesse sentido, têm razão: a informação pública sobre corrupção às vezes pode gerar instabilidade política.


Os governos que negam a existência do mal, ao mesmo tempo, se apresentam como os campeões da luta contra ele; neste caso, a tão maldita corrupção

Na Argentina, o oficialismo e seus testa-de-ferros acumulam dezenas de denúncias por contas sem justificativas, lavagem de dinheiro e negócios ilegais diversos. O rechaço do governo a essas acusações é sistemático, como também, todos os anos, ao aumento patrimonial que é visto nas próprias declarações de impostos de seus mais altos funcionários. A dissonância legal é produto da dissonância cognitiva, precisamente, a derivada do fato de que todos eles se enriqueceram sendo funcionários públicos. Difícil explicar, mas nenhum deles fica envergonhado.

No México, o governo castigou por corrupção a mais de cem funcionários nos últimos dois anos com multas de mais de 22 milhões de dólares. Apesar de benigna a pena, multa em vez de prisão, ninguém pagou um dólar. Isso sublinha um problema mais de fundo. É difícil que um governo corrupto imponha sanções por corrupção e que as mesmas sejam cumpridas. O presidente combate a corrupção em seu discurso enquanto sua esposa e seu Secretário de Fazenda tentam explicar a compra de suas casas de um empreiteiro favorecido pelo governo, que também lhes concedeu a hipoteca.

No Brasil, o caso Petrobras revela a profundidade da corrupção dentro do aparato do Estado e do partido do governo. A informação fala de perda de 2 bilhões de dólares só por corrupção e descreve um sistema institucionalizado de dinheiro ilícito, criado para terminar nas arcas do PT. O círculo completo, esse dinheiro era usado para financiar campanhas eleitorais e comprar votos de deputados no Congresso, o caso Mensalão. Assim se construiu uma organizada máquina financeira para a perpetuação no poder.

Até o Chile, cuja elite política achava que estava imune da corrupção e outras doenças tropicais da região, parece ter sido contagiada. Ao financiamento irregular dos partidos e seus dirigentes, deve-se agregar o escândalo que envolveu a nora da própria presidenta. Sua relação com a então presidenta eleita permitiu que tivesse acesso a informações privilegiadas sobre iminentes mudanças na regulamentação do uso do solo e a um crédito bancário para uma empresa sem trajetória nem garantias. O negócio especulativo de compra-venda de terras teve um lucro de mais de 3 milhões de dólares. Em sua primeira reação, Bachelet cometeu o erro de considerar um negócio entre privados, o que afetou severamente seu índice de aprovação.

Curiosamente, na academia, uma primeira geração de estudos minimizava o problema da corrupção, considerando-a um mecanismo benigno que servia para modernizar a burocracia, uma tarefa essencial de construção estatal sempre inconclusa no mundo em desenvolvimento. Uma segunda geração, no entanto, destacou as perdas de eficiência em sociedades com alta corrupção, postergando o desenvolvimento econômico e social, e criando, além disso, no longo prazo, uma dinâmica especialmente tóxica para o capital social e a credibilidade das instituições democráticas.

A América Latina se encontra neste último cenário, mas também precisa de uma terceira geração de estudos. Ela deverá dar conta da constituição de um novo tipo de regime político, no qual a corrupção é, justamente, o componente central da dominação. Em países onde os partidos políticos se debilitaram e se fragmentaram, além de ter perdido a confiança da sociedade, estão sendo substituídos pela corrupção. A corrupção cumpre as funções básicas da política: selecionar dirigentes, organizar a concorrência eleitoral e exercer a representação – e o controle essencial – territorial. Esta é a nova forma da política na pós-democracia.

Claro que este novo regime é de partido único, já que se baseia na perpetuação. Isso não é por ideologia, mas por sobrevivência. Fora do poder, os riscos são muito altos para os líderes do partido da corrupção. Até agora, os recursos e a retórica funcionaram e continuam no poder, mas isso não será eterno. Então, o grande desafio da América Latina será tirar a corrupção da política para poder reconstruir a democracia.

Héctor E. Schamis

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