quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ressaca brasileira

Observou-se que, com seu novo gabinete, Dilma Rousseff buscou se blindar de Lula. Mas talvez aconteça o contrário
Durante seu segundo mandato, Dilma Rousseff estará impedida de cumprir as duas promessas tradicionais da esquerda: desafiar as pretensões do mercado e refundar a política sobre procedimentos transparentes. Dilma consumirá parte de seu capital em ajustar a economia. E deverá continuar dando explicações pelo escândalo da Petrobras, com o qual conviverá durante todo o seu mandato. Lula da Silva e a cúpula do PT a observam a partir de agora com a precaução de quem olha o equilibrista caminhar com passo incerto sobre uma corda-bamba. Já escolheram a bandeira em que se envolverão até a próxima eleição: o conflito com os meios de comunicação. É uma estratégia habitual no populismo latino-americano. Já que não pode modificar a realidade, contesta sua interpretação.

Em 9 de setembro, Dilma acusou sua rival Marina Silva de pretender, caso chegasse à Presidência, entregar sua gestão econômica aos banqueiros. Na quinta-feira passada, nomeou Joaquim Levy, diretor da área de investimentos do Bradesco, o segundo maior banco privado do Brasil, como ministro da Fazenda. Levy, que se doutorou em Chicago, é chamado de Mãos de Tesoura. Ele adora esse apelido. Promete reduzir subsídios e a inflação para recuperar o crescimento. Cabe a ele, junto com Nelson Barbosa, ministro do Planejamento oriundo do Banco do Brasil, e Alexandre Tombini, que permanece no Banco Central, administrar a ressaca de uma festa de consumo.

O novo ministro do Desenvolvimento é o empresário Armando Monteiro. E a da Agricultura, Kátia Abreu, lidera a Confederação Nacional da Agricultura. É a Thatcher do campo.

Impossível duvidar da ortodoxia dessa equipe. O enigma é se Dilma a respaldará. Além de reparos ideológicos, ela poderá ter restrições temperamentais. Padece de uma propensão ao micromanagement e costuma submeter seus colaboradores a surtos de ira que eles denominam, respeitosamente, de “síndrome da tensão criativa”. Barbosa inaugurou a experiência: já precisou desmentir que, como havia prometido, vá reduzir o salário mínimo.

A Petrobras é outro manancial de dissabores. Ninguém conhece a lista completa dos políticos que se locupletaram nessa caixa preta, da qual saíram cerca de 10 bilhões de reais. A partilha do dinheiro complica a partilha de poder. Cada nomeação pode esconder um novo pesadelo. Na semana passada, o diretor de uma empresa japonesa confessou que recursos foram desviados para a campanha de Rousseff.

A Petrobras deve 135 bilhões de dólares. E a queda do preço do petróleo dificulta a exploração de sua grande jazida de águas profundas. O fundo de investimentos Aurelius pediu que seja declarado seu default. A empresa contamina a imagem geral dos negócios. E começa a se ouvir que outra tempestade pode se desencadear na Eletrobras, a maior empresa elétrica da América Latina.
Leia mais o artigo de Carlos Pagni

Nenhum comentário:

Postar um comentário