quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Palmas para a civilização


O escritor nigeriano Chinua Achebe apresentou em “O mundo se despedaça” o território africano ainda virgem de colonização, quando só o que vicejava eram os inhames na terra e as tradições das tribos. É a partir da chegada do homem branco, ocidental e civilizado, que aquele mundo vem abaixo, junto com a autoestima de um povo.

Está claro que o ocidente se expandiu, se expande em busca de soluções para suas necessidades cada vez maiores, é preciso ter conforto, é preciso consumir, parece uma investida da qual não se escapa, esta sociedade se organiza através do consumo, o que fazer com os produtos que o capital precisa vender? Olha que hambúrguer!, assista ao cinema 3D!, jogue o game da hora!, avançamos desta forma desde o século XVIII.

Com o foco na produção, a referência óbvia virou o planeta, que não manterá por muito mais tempo e novas gerações o habitat perfeito do jeito que hoje conhecemos. A gente se arma em defesa do meio-ambiente, mas não atinamos com a verdade: o planeta sobreviverá muito bem à catástrofe chamada espécie humana, já sobreviveu antes a outras, o que está em jogo é a nossa capacidade de sobrevivência nos continentes, onde as condições naturais podem ficar demasiado hostis à civilização. Lembro que este é ainda o único planeta que temos à disposição.

Mas indo além, quando saímos do conforto da sala e mergulhamos no caldeirão de culturas que é a Terra, será que o nosso jeito ocidental de viver reconhece diferenças fundamentais? Ou impõe-se através da exposição maciça de nossas qualidades via satélite, tevê, internet? Creio que é nosso costume reverberar como se não tivéssemos defeitos, projetamos nossa receita imaculada, deve ser difícil para os outros valorizar o que é tradição.

Felizmente, a globalização também tornou visível esse confronto e nossa consciência coletiva deu um salto decisivo, impor nossa cultura como remédio já não é unanimidade, tem quem ainda pense assim, mas já se encontra quem ache que as pessoas devem viver do jeito que quiserem, talvez o mais perto que puderem de suas raízes ancestrais.

Sobra pouca aventura, porque o mundo inteiro logo não será mais novidade, de onde virá o novo quando aceitarmos e se incluirmos toda a nossa população vasta e diversificada? Aprofundaremos a consciência da existência em um movimento inesperado para dentro? Ou nos lançaremos para o espaço em uma aventura sideral que só conhecerá fronteiras se descobrirmos que não estamos sozinhos?

Do modo como vivemos, se não entregarmos a espécie à extinção, parece mais provável a segunda alternativa. O futuro sonhará com a colonização de planetas, de onde retiraremos as matérias-primas necessárias para manter viva tanta vontade de conforto e tecnologia. A Terra será poupada (tomara!) e avançaremos no infinito atrás de planetas desabitados adequados à exploração. Eu disse desabitados… o que acontecerá quando nascerem humanos na Lua ou em Marte? Novas e incríveis culturas virão, forjarão tradições, autoestima, e os naturais de lá protestarão veementes quando perceberem que são os explorados da vez. “Poupem nossa Lua!”, “Marte para os marcianos!”, posso ouvir as palavras de ordem pesarem sobre nossas consciências em férias.

O filme “Apocalypto”, de Mel Gibson, surpreende com essas questões decorrentes dos males da civilização. Certamente é mais um, mas me faz lembrar que não existem bonzinhos neste jogo cínico onde se enfrentam as influências cotidianas e os modos de vida. Mesmo a selva, a natureza, para onde convergem os olhares querendo uma solução, não explica nada. Os animais são pródigos em se dividirem em violentos clãs e bandos, em disputa eterna pelos melhores territórios. Dali sobressai neste aspecto só a lei do mais adaptado. Somos melhores?

Por que então esta dor sobre o que é o certo a fazer? Esta civilização que mata e decepciona, que incorre em omissões terríveis, também convoca o ser humano a admirar a ciência e a arte. Não há duvida: estamos ferrados entre as noções de beleza e de crime. Por enquanto nós. Até quando?

Marco Antonio Martire (Transcrito de Rubem)

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