sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O discurso da rainha e a máquina publicitária

O Partido dos Trabalhadores mantém uma relação muito própria com a realidade. A exemplo dos partidos totalitários, os fatos, para o PT, são meras referências a partir das quais são concebidas e propagadas as versões mais convenientes. Três fatores se têm revelado utilíssimos para que cada versão, malgrado sua desconexão com os acontecimentos, produza o efeito político pretendido.

O primeiro desses fatores é a velocidade com que a máquina publicitária petista produz e distribui a versão mais proveitosa. É imperioso que chegue a todos os cantos do país simultaneamente com a notícia a partir da qual a versão foi construída. O partido dispõe, então, de numerosa e bem organizada rede de reprodução e repetição das versões que constrói. Em instantes, no canto mais remoto do país, onde houver um vereador do PT ou um dirigente partidário local, ele sabe muito bem o que deve propagar e repetir incessantemente sobre cada assunto de interesse da sigla. Bastaria essa coesão para fazer da mentira verdade e da verdade mentira. Nada que não tivesse sido utilizado antes por todos os partidos de viés totalitário, ao longo do século 20. Inclusive o anseio por reescrever a história, transformando bandidos em heróis e vice-versa, sempre com base nas versões construídas. A Comissão da Verdade é o recente exemplo local de algo que foi prática corrente no mundo comunista.

O segundo fator tem a ver com a fragilidade intelectual do grande público. Quem faz política com astúcia conta com ela e dela se aproveita. Valem-se dessa fragilidade, aliás, todos os vigaristas bem sucedidos. Confiam nela os mentirosos, nas muitas esferas da vida social. Não bastasse isso, é fato: quase sempre, a mentira bem contada é mais atrativa do que a verdade.

O terceiro fator é uma peculiar idiossincrasia de parte da imprensa brasileira que exige de si conduta estéril, uma azoospermia que parece não ter cura, uma equidistância em relação a toda divergência. Graças a isso, mentira e verdade se defrontam com igualdade de condições. Ponto e contraponto. Ainda que um ou outro seja descarado embuste, são raras, entre nós, matérias editoriais desmascarando tramoias. Mesmo se produzidas em série, como as que rechearam o discurso de Dilma.

Os textos que Dilma leu durante a posse, preparados por ghost writer, formam duas coletâneas de exemplos do que examinei acima. Versão, versão, versão, ufanismo, falsidade e mistificação. Graças a esse menosprezo aos fatos, a presidente pode afirmar, sob aplausos, que esta é a “primeira geração de brasileiros que não vivenciou a tragédia da fome”. Graças a ele, a presidente mencionou os escândalos que espocam na Petrobras feito milho de pipoca como se fossem causados por seres alienígenas vindos de algum planeta capitalista. Graças ao mesmo menosprezo pela verdade e pelos fatos, ela referiu um compromisso com a “Pátria Educadora” (meu Deus, que diabo será isso?) depois de haver entregue o Ministério da Educação a um ex-governador que absolutamente não é do ramo. Graças a ele, prometeu extirpar a corrupção no mesmo dia em que chamava para integrar seu ministério pelo menos uma dúzia de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E por aí foi Dilma, comprometida com muito mais do mesmo.

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