Na África do Sul, país com uma enorme riqueza étnica, e onde tal riqueza é valorizada e até mitificada, coexistem diversos grupos populacionais considerados brancos. Os bóeres são descendentes muito remotos dos primeiros colonos calvinistas de origem holandesa, francesa e escandinava que se estabeleceram no extremo sul da África, fugindo a perseguições religiosas.
Ao longo dos séculos, os bóeres misturaram-se com outros povos, africanos e malaios, criando a sua própria língua, o afrikaans, além de música, culinária e outras práticas culturais. Embora tenham combatido contra os colonos britânicos, os bóeres terminaram aliando-se a estes para fundar um regime de segregação racial, o apartheid, que se prolongou até 1994, e em larga medida os arrancou da pobreza. O apartheid dividiu as famílias bóeres, entre brancos e mestiços. Hoje, a comunidade considerada mestiça (“coloured”) fala afrikaans e partilha com os “bóeres brancos” os nomes de família. No fundo, à semelhança do que acontece com as famílias antigas brasileiras, não existe nenhum bóer que não possua alguma ancestralidade africana.
A comunidade considerada branca, que hoje representa apenas sete por cento da população total, mantém muitos dos privilégios — e toda a riqueza! — que possuía durante o apartheid. Concretamente, essa pequena minoria detém quase 80% das terras agrícolas privadas.
A decisão de Trump, expulsando ou cortando qualquer apoio a pessoas que realmente necessitam de refúgio, e acolhendo outras que não estão sendo hostilizadas, é um insulto exuberante aos direitos humanos, à inteligência e à sensatez, e a todos os generosos princípios cristãos. É o mundo de ponta-cabeça. O mundo de Trump.
Ebrahim Rasool, o embaixador sul-africano que Trump expulsou dos EUA, despertou a ira da direita selvagem americana, ao sugerir que o maior receio da mesma é que os brancos deixem de ser majoritários nos EUA. A atitude de Trump confirma esta ideia — brancos podem entrar, não-brancos têm de sair.
Na África do Sul, a notícia da chegada dos “refugiados sul-africanos” a Washington foi recebida ora com troça, ora com fúria. Alguns comentadores agradeceram a Trump por estar retirando do país os últimos racistas brancos.
A comunidade bóer divide-se entre a vergonha, a perplexidade e a consternação. Os bóeres ligados à extrema direita teriam preferido que Trump apoiasse a sua pretensão absurda de formar uma república independente. Os outros, aqueles que ainda acreditam no país do arco-íris sonhado por Nelson Mandela, mostram-se horrorizados. Sentem-se sul-africanos e não pensam em abandonar a sua pátria, a pátria dos seus ancestrais, embora, como todas as restantes comunidades, estejam desapontados com a forma como o ANC, partido que ocupa o poder desde 1994, vem liderando o país.

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