sexta-feira, 30 de maio de 2025

Pensamento do Dia

 


82% dos judeus israelenses apoiam a expulsão de moradores de Gaza

Uma pesquisa recente com judeus israelenses revela um crescente conforto com a ideia de expulsar palestinos à força – tanto de Gaza quanto de dentro das fronteiras de Israel. A pesquisa também constatou que uma minoria significativa apoia o massacre de civis em cidades inimigas capturadas pelo exército israelense.

Em desarmonia com a natureza

O Senado aprovou, na semana passada, um novo marco federal para o licenciamento ambiental: o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que deverá agora passar por nova votação na Câmara dos Deputados. A revisão foi pautada na busca por maior celeridade e eficiência no processo de licenciamento, com o objetivo de reduzir o chamado “entrave ambiental”. Na prática, ela promove o autolicenciamento de empreendimentos de baixo a médio impacto ambiental e dispensa uma série de atividades do licenciamento, entre elas uma ampla gama de atividades agropecuárias.

Em outras palavras, abre as porteiras para a degradação ambiental, favorecendo alguns poucos setores industriais e econômicos e prejudicando amplamente a sociedade em termos de resiliência climática, bem-estar e saúde. Além disso, aumenta significativamente os riscos de poluição e de perda de vegetação nativa altamente biodiversa.

Isso ficou particularmente evidente quando os senadores incluíram, de última hora, uma emenda que literalmente desconstrói a Lei da Mata Atlântica. A modificação, que parece ser singela, nada mais é do que a eliminação do principal princípio norteador dessa lei: a proteção de florestas em estágios mais avançados de sucessão. Estamos falando, em particular, de florestas mais maduras, com árvores de grande porte, alta biodiversidade e biomassa — reconhecidamente importantes aliadas no enfrentamento das mudanças climáticas, tanto em termos de estoque de carbono quanto de proteção contra eventos climáticos extremos.


Essas florestas, que se desenvolveram ao longo de décadas — ou mesmo séculos — agora podem ser mais facilmente cortadas do dia para a noite com a passagem de um correntão.

A autorização para o corte dessas florestas, que só deveria ocorrer em situações excepcionais de utilidade pública e após análise de órgãos estaduais ou federais competentes, passa agora a poder ser feita no âmbito municipal. Infelizmente, muitos municípios — em especial os menores ou localizados em áreas remotas, que frequentemente coincidem com regiões mais preservadas — não dispõem de equipe técnica qualificada nem de órgãos dedicados a essas análises socioambientais.

Delegar essa decisão ao nível municipal significa transferir um processo que deveria se basear em critérios técnico-científicos e no interesse coletivo para um ambiente mais vulnerável a pressões políticas e a interesses econômicos de setores restritos da sociedade. Considerando que a Mata Atlântica abriga cerca de 30 milhões de hectares de pastagens degradadas (um quarto do bioma), que geram poucos benefícios socioeconômicos, é difícil entender por que o desenvolvimento econômico requereria o corte de remanescentes de florestas maduras — que representam menos de 12% do bioma.

O Brasil deveria priorizar ações que criem as condições necessárias para avançar rumo ao desmatamento zero e à restauração plena das áreas degradadas. No entanto, o novo licenciamento ambiental, com a mudança da Lei da Mata Atlântica, caminha na direção oposta, facilitando o desmatamento de florestas e outras formações nativas que beneficiam cerca de 140 milhões de brasileiros. O desmatamento zero deveria começar com a plena proteção das matas mais maduras.

O aperfeiçoamento do licenciamento ambiental depende de um equilíbrio entre celeridade e qualidade. O ganho de velocidade não pode ocorrer em detrimento da qualidade. Seria mais lógico reforçar os órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento do que fragilizar — ou mesmo eliminar — o processo. Com a fragilização promovida pelo Projeto de Lei nº 2.159/2021, quem perde é a sociedade brasileira, que conviverá com paisagens mais poluídas e degradadas, sofrerá ainda mais com as mudanças climáticas e seus eventos extremos e vivenciará a perda de um patrimônio natural altamente biodiverso.

Com isso, estamos indo abertamente contra o bom senso e violando as diretrizes do Marco Global da Biodiversidade, aprofundando nossa desarmonia com a natureza.

Como os rentistas sabotam o desenvolvimento nacional

O Brasil vive sob o domínio de uma narrativa que se tornou senso comum: o Estado está sempre à beira da falência, os gastos públicos são intrinsecamente perigosos, e qualquer política que beneficie a população através do aumento de gastos governamentais representa um risco fiscal inaceitável. Esta narrativa não é acidental – é uma construção deliberada que serve aos interesses de quem lucra com a manutenção da escassez artificial em economias monetárias e capitalistas, os rentistas.

Para compreender essa dinâmica, é fundamental reconhecer que vivemos em uma economia onde diferentes grupos têm interesses estruturalmente antagônicos. De um lado, encontram-se aqueles que dependem do desenvolvimento real da economia – trabalhadores, empresários produtivos, setores voltados para o mercado interno. Do outro, aqueles que extraem renda através de operações financeiras, beneficiando-se da volatilidade, da escassez de crédito produtivo e das altas taxas de juros.

O discurso dominante inverteu completamente a relação entre Estado e economia. Transformou o ente capaz de criar moeda em refém daqueles que dela dependem. Esta inversão não é produto de ignorância – é resultado de uma sofisticada operação ideológica que obscurece deliberadamente como funciona um sistema monetário soberano.

Quando economistas do mercado financeiro afirmam que “o Estado precisa se ajustar como uma família”, estão propagando uma analogia que sabe ser falsa. Uma família é usuária de moeda; o Estado soberano é seu emissor. Esta diferença não é técnica – é fundamental para compreender o espaço fiscal real de qualquer nação.

A insistência nesta analogia revela sua funcionalidade política: manter o debate econômico dentro de parâmetros que legitimam a primazia dos interesses rentistas sobre as necessidades nacionais de desenvolvimento. 


A experiência do governo Dilma oferece lições inequívocas sobre os limites da estratégia conciliatória. A tentativa de conquistar credibilidade através do ajuste fiscal radical não apenas falhou em seu objetivo político – aprofundou drasticamente a crise econômica e criou as condições que viabilizaram o golpe de 2016.

Este episódio demonstra que o setor rentista não busca políticas “tecnicamente corretas” – busca políticas que maximizem seus rendimentos, independentemente de seus custos sociais. A manutenção de juros elevados, a austeridade fiscal procíclica e a subvalorização cambial inflacionária não são erros de gestão – são características funcionais de um modelo econômico que subordina o desenvolvimento nacional aos imperativos da acumulação financeira.

O terror fiscal baseia-se em uma compreensão deliberadamente equivocada sobre as capacidades de um Estado monetariamente soberano. Países que emitem sua própria moeda enfrentam limites reais – inflação, constrangimentos de recursos produtivos, pressões cambiais – mas não enfrentam limites financeiros no sentido convencional.

Reconhecer esta realidade não significa defender gastos ilimitados ou irresponsáveis. Significa compreender que as restrições relevantes são aquelas relacionadas à capacidade produtiva da economia, não aos saldos nominais de contas públicas. Um Estado que possui recursos ociosos, desemprego em massa e necessidades sociais urgentes enfrenta, na verdade, um imperativo ético de mobilizar estes recursos – não uma restrição fiscal que o impeça de fazê-lo.

É fundamental que o governo desenvolva uma comunicação sistemática que eduque a população sobre o funcionamento real da economia. Isto inclui explicar as diferenças entre Estados emissores e usuários de moeda, demonstrar como funciona o sistema bancário, e expor os interesses específicos por trás das demandas por austeridade. Implementar políticas antifragilidade

Em vez de buscar aprovação dos mercados financeiros, o governo deve construir sua legitimidade através de resultados concretos para a população. Isto inclui políticas de pleno emprego, investimentos massivos em infraestrutura, fortalecimento dos serviços públicos e redução das desigualdades regionais.

A obsessão com metas de inflação descontextualizadas serve principalmente para manter elevados os rendimentos financeiros. Uma política monetária verdadeiramente soberana deveria considerar o pleno emprego como objetivo primário, utilizando a taxa de juros como instrumento de desenvolvimento, não como mecanismo de transferência de renda para rentistas.

Somente o Banco Central tem o poder ilimitado de criar reais na economia brasileira. Se utilizado de forma competente, este poder pode inviabilizar quase completamente a viabilidade das estratégias sabotadoras utilizadas hoje pelo setor financeiro para manter refém o governo brasileiro. A oferta infinitamente elástica de swaps cambiais (aplicações remuneradas pela desvalorização cambial mais algum prêmio) tornariam inviavelmente custosa a especulação cambial. Já a estabilidade da taxa referencial de juros de curto prazo (a Selic) tornaria inviavelmente custosa a especulação contra títulos públicos. Fortalecer as instituições democráticas

O combate ao poder rentista requer o fortalecimento das instituições que representam os interesses populares. Isto inclui tanto o parlamento quanto os mecanismos de participação social, criando contrapesos efetivos ao poder econômico concentrado.

O Brasil enfrenta uma janela de oportunidade que pode não se repetir. O fracasso das políticas neoliberais tornou-se evidente mesmo para setores que antes as apoiavam. A população demonstra crescente ceticismo em relação às promessas do mercado financeiro. O cenário internacional oferece espaços para políticas mais soberanas.

Desperdiçar esta oportunidade em nome de uma conciliação que sabemos ser impossível representa mais do que um erro político – representa uma traição histórica às possibilidades de transformação que o momento oferece.

O desenvolvimentismo do século XXI não pode repetir as ingenuidades do passado. Deve reconhecer que o setor rentista não é um parceiro relutante do desenvolvimento nacional – é seu adversário estrutural. Políticas que beneficiam genuinamente a população brasileira ameaçam diretamente os mecanismos de extração de renda que sustentam este setor.

A escolha é clara: ou o Brasil constrói uma economia voltada para as necessidades de seu povo, ou continua sendo uma plataforma de valorização para o capital financeiro internacional. Não há meio-termo técnico que resolva esta contradição fundamental.

O momento exige coragem para enfrentar os interesses que se beneficiam da subserviência nacional. Exige também a inteligência para construir alternativas viáveis que demonstrem, na prática, que outro modelo econômico é possível.

A história julgará se soubemos aproveitar esta oportunidade ou se permitimos que mais uma geração fosse sacrificada no altar da ortodoxia rentista.

A inutilidade (?) dos nossos dirigentes

Mesmo sem pesquisa de campo, é intuitivo que quase 100% das pessoas concordam que os maiores problemas da humanidade são pobreza, guerras, criminalidade (inclusive corrupção), destruição da biosfera e opressão de minorias. Claro, há outros, mas, no geral, concorda-se quanto a estes. A capacidade tecnológica do mundo atual é plenamente suficiente para eliminar todos eles, rapidamente. Se isso não ocorre é sinal da inutilidade dos nossos dirigentes?

Na realidade, nossos dirigentes optam por serem úteis aos que os tornaram dirigentes; por isso são inúteis ou mesmo contraproducentes para as pessoas em geral. Ou seja, defendem aqueles que financiaram e deram suporte às suas trajetórias até o poder, muito antes e apesar das eleições, onde as há. É exatamente por assim preferirem que se tornam, pior que inúteis, danosos para a quase totalidade dos humanos.


Um exemplo, entre muitos: em 2021, mais de 140 dirigentes mundiais prometeram zerar o desmatamento até 2030. No entanto, em 2024 a perda de florestas alcançou, globalmente, 6,7 milhões de hectares, ou 67.000km2! É uma cifra opaca, pois quem consegue visualizar, num mapa, a extensão de tal área? Para maior clareza devemos torná-la de mais fácil visualização.

Essa área desmatada, no ano de 2024, foi equivalente a um quadrado de 260km de lado! Trata-se de um território 11,5 vezes maior que o nosso Distrito Federal, que tem 5,8mil km2. Agora, pegue o mapa do Brasil, multiplique a área do DF por 11,5 e veja o tamanho do estrago em apenas um ano!

Grande parte dessa perda foi causada por incêndios, em razão das mudanças climáticas que tornam o clima mais quente e seco. Logo, a tendência é de aceleração da perda de florestas; agora, pergunte-se como viverão seus filhos e netos num planeta sem cobertura florestal.

Como podem ser chamados “líderes” aqueles dirigentes que permitem tanto dano à nossa única casa? Não é melhor reconhecer que são úteis apenas para aquele pequeno grupo que os ajudou a galgar a escorregadia e perigosa escalada rumo ao cume, ascensão esta muitas vezes mediante recurso a crimes os mais variados, desde sonegação fiscal à corrupção a assassinatos e compra de magistrados? Não são tais dirigentes inúteis para as ditas “pessoas comuns”? Ou seria melhor chamá-los danosos?

Chamar essas pessoas de “líderes” é falsear a realidade, assim como empresas petrolíferas fazem ao dizer que “produzem” petróleo, quando apenas o extraem.

Como os demais problemas acima citados, esses dirigentes têm sido incapazes de reduzir a pobreza, pois ainda hoje 80% dos humanos sobrevivem com menos de US$10,00/dia!

Assim, para o grosso da humanidade, esses dirigentes são piores que inúteis, são gravosos. E ainda elevam gastos militares pagam – com nosso dinheiro! – marqueteiros para dizerem que são ótimos governantes!

A estrutura da nossa representação política está podre – e não me refiro apenas ao Brasil! É enorme a dimensão das mudanças de que necessitamos para voltarmos a ter chance de construir um bom futuro comum!

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Pensamento do Dia

 


Tempo, tempo, tempo


No nosso tempo, ainda vemos muita discórdia, muitas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelo preconceito, pelo medo da diferença e por um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres.
Papa Leão XIV

Gaza: 600 dias de horror que o mundo não quis ver

Robert Fisk desabafava várias vezes, em entrevista, sobre a resistência das televisões e da imprensa internacional em mostrar as mais horríveis imagens que os jornalistas de guerra testemunhavam no terreno. Uma espécie de saneamento da desgraça, que poupa o leitor ou telespectador do choque, mas sacrifica a verdade sobre a tragédia que está a ser noticiada. Os editores das maiores agências de notícias internacionais lamentavam-se sobre a “pornografia do horror” para justificar o bloqueio dessas imagens e exigiam aos jornalistas que as tentavam publicar mais “respeito pelos mortos”. Fisk indignava-se contra a hipocrisia destas pessoas, que exigiam maior respeito pelas vítimas agora em pedaços do que quando ainda estavam vivas. Um dos maiores repórteres de guerra do pós-Segunda Guerra Mundial, que foi testemunha direta dos cenários mais sombrios do Médio Oriente, defendia, com os dentes trancados de indignação, que estas provas visuais violentas não se tratam de um fetiche pelo choque, mas de um dever de máxima exigência ética. Certas consciências adormecidas só acordam com um banho gelado de realidade.


Em Gaza, os 600 dias de massacre prolongado da população civil palestiniana não se fizeram apenas com bombas, doença e fome, mas também com ausência. Ausência de imagens. A tentação confortável de filtrar este horror diário, de poupar o espectador à visão de pesadelo de corpos mutilados espalhados pelas ruas, de hospitais em colapso onde as amputações se fazem sem anestesia, do choro das mães que já não têm leite para os filhos, do desespero e raiva de um pai que carrega ao colo um pequeno pedaço de carne, resto humano do que sobrou de uma filha que já não pode ser tudo.

Há quase dois anos que Israel bloqueia, quase sem exceção, a entrada da imprensa internacional independente no terreno. O mundo empurra assim a responsabilidade de contar o que se passa em Gaza para os próprios palestinianos e os seus telemóveis. Por lá, jornalistas, médicos, youtubers, cidadãos anónimos insistem em mostrar tudo, em partilhar tudo. Não querem que o mundo respeite os seus mortos desviando o olhar, mas que encare, sem filtro, a dimensão inimaginável do seu sacrifício. Um grande amigo, estudioso apaixonado por toda a história da Segunda Guerra Mundial, lembrava-me da advertência de Eisenhower ao visitar os campos de concentração nazis: “Registem tudo — filmem, recolham testemunhos — porque, algures no caminho da História, algum canalha vai levantar-se para dizer que isto nunca aconteceu.”


De acordo com dados do Committee to Protect Journalists (CPJ), desde o início do conflito até 21 de maio deste ano, morreram pelo menos 180 jornalistas e trabalhadores ligados à comunicação social em Gaza, dos quais 172 eram palestinianos. Em redes sociais de cerco menos apertado, como o X e o TikTok, os seus vídeos aparecem-nos na timeline como socos que vão direitos ao estômago. São imagens que desafiam qualquer pudor ou racionalidade, que não procuram neutralidade, que manifestam o desespero absoluto por empatia deste lado do ecrã. Agarram-nos o queixo à força com as mãos e fitam-nos nos olhos com uma verdade tão inimaginável e cruel que ninguém se atreve a esquecer.

Desde outubro de 2023 que vejo diariamente esses vídeos. Estes velhos e novos repórteres palestinianos gravam com a urgência de quem sabe que a sua única arma eficaz contra um dos mais poderosos exércitos do mundo é o testemunho sem cortes da sua realidade. E gravam a mão de criança que já não mexe por entre os escombros, registam os pedaços de corpos pendurados, que enfeitam com horror a fachada do prédio despejado à força pela fúria acéfala de mais uma bomba. Devo-lhes, pelo menos, a partilha, e faço-o até que o aviso da máquina a bloqueie. Prefiro tentar dormir com o terror dessas imagens na cabeça do que carregar, para o resto da vida, o peso na consciência de não as ter mostrado. Este horror visual pode ser insuportável, mas pelo menos não é cúmplice na indiferença. A um povo a quem já foi tirado quase tudo, que não se lhes roube a mensagem que nos querem passar. O suplício aflito para que os vejam.

Se quase sempre são criticadas pelo seu lado pernicioso para os nossos filhos, a verdade é que, neste contexto, as redes sociais tiveram um papel decisivo. Foi através delas que jovens de todo o mundo puderam testemunhar, muitas vezes em direto, o que muitos canais tradicionais e entidades de responsabilidade acrescida hesitavam em querer ver, quanto mais mostrar. Foi por ali que rebentou a comporta que insistia, teimosa, em travar a indignação das pessoas. O primeiro grito ouviu-se nas ruas, depois nas universidades e agora, por fim, em alguns corredores do poder. O silêncio tornou-se indesculpável e, aqueles que negaram as evidências durante demasiado tempo, forçam agora sorrisos enrascados para ficar bem na fotografia deste momento de maior vergonha da nossa história recente.

Por muito que os mais velhos, os que ainda mandam, não quisessem ver, juristas internacionais, a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, multiplos relatores das Nações Unidas, grandes académicos do Holocausto, entre outros, já não se coíbem de afirmar que o que se passa em Gaza é a destruição sistemática de um povo, é limpeza étnica, é genocídio. Um dos mais prestigiados jornais neerlandeses, o NRC, publicou, a 14 de maio, uma reportagem onde analisava vários artigos académicos recentes do Journal of Genocide Research — a principal revista científica da área — concluindo que todos os oito académicos internacionais especializados em genocídio, que participaram nesses artigos, incluindo o editor-chefe da publicação, reconhecem em Gaza um genocídio, ou pelo menos, violência genocida. Também nessa reportagem, a presidente da International Association of Genocide Scholars, Melanie O’Brien, afirmou que o bloqueio deliberado de comida, água, abrigo e saneamento por parte de Israel constitui genocídio. O Tribunal Internacional de Justiça, há mais de um ano, alertou para a possibilidade plausível do que hoje já não se diz apenas entredentes, obrigando Israel a tomar medidas para o evitar e permitir o acesso de ajuda humanitária. Mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional emitiu pedidos de mandados de captura para líderes de ambos os lados do conflito, por suspeita de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em ambos os casos, Israel ignorou as decisões, por não reconhecer autoridade a nenhum destes tribunais. E hoje, na Europa, ainda que com cautela, começamos finalmente a ouvir líderes europeus prometer consequências para o atual governo israelita.

Neste ponto, importa ser ainda mais rigoroso. A condenação pelos crimes de guerra sistemáticos cometidos não é um ataque ao povo de Israel, nem pode ser uma generalização xenófoba e abusiva. O que se aponta, e deve ser apontado, são as ações concretas de um governo e de uma máquina militar, sobejamente documentadas até pelos próprios soldados no terreno, que, como disse anteriormente, já são objeto de processos judiciais em tribunais internacionais. Da mesma forma que todos os palestinianos não são terroristas do Hamas, o sofrimento em Gaza não pode continuar a ser abafado pela confusão deliberada entre a crítica justa e urgente a um Estado e o preconceito contra um povo. A dignidade de todas as vítimas, de ambos os lados, exige essa clareza.

Os números já não nos cabem na compreensão. Depois de 7 de outubro de 2023, em que cerca de 1200 pessoas foram mortas pelo Hamas, o horror ganhou uma nova dimensão impensável do outro lado do muro, com mais de 53 mil palestinianos assassinados, dos quais 17 mil são crianças, dezenas de milhares de feridos, milhares de novos amputados, cerca de meio milhão de pessoas à beira da fome extrema, a quase totalidade de hospitais e escolas destruídos (94% dos hospitais foram danificados ou destruídos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde), a ajuda humanitária bloqueada, saqueada, outras vezes bombardeada. Quase 300 funcionários da ONU mortos e dezenas de outros detidos ou impedidos de entrar na Faixa de Gaza, de acordo com os mais recentes UNRWA Situation Reports, em consequência da aprovação, pela Knesset, de leis que bloqueiam o acesso de novos elementos da equipa internacional desta agência das Nações Unidas. Sem estas imagens, a devastação seria apenas uma abstração estatística. Com elas, a realidade ganha osso, ganha carne, ganha rosto.

Fisk, que faleceu em 2020, dizia com aquele peso nas palavras de quem já testemunhou mais do que se deveria poder aguentar, que, se as pessoas vissem o que ele viu, nunca mais apoiariam uma guerra na vida. Nunca sentiremos verdadeiramente a dor dos outros, mas temos a obrigação humanista de partilhar, pelo menos, o seu pedido de ajuda. A imprensa tem o dever de mostrar tudo, por mais violento e difícil que seja. Não servirá para alimentar o horror, mas para que este nunca mais se torne invisível.

Hoje e então; como era e como é

Carmen Veronica, fabulosa vedete do teatro rebolado dos anos 1960, disse tudo: "Naquele tempo se enfiava a bunda dentro do biquíni. Hoje se enfia o biquíni dentro da bunda". A atriz Camila Amado resumiu a nova e difícil situação em sua profissão: "Quando jovem, eu fazia teatro para ganhar dinheiro. Hoje, preciso ganhar dinheiro para fazer teatro". E Tom Jobim assim definiu a diferença entre o Brasil e o Japão: "O Japão é um país paupérrimo com vocação para a riqueza. O Brasil é um país riquíssimo com vocação para a pobreza".


Em Portugal, quando nos pedem alguma coisa, nosso gentil e obsequioso "Pois não" significa um peremptório "Não". Já, ao ouvir algo de que duvidamos, nosso irônico "Pois sim..." significa um afirmativo "Sim". Lá, as calcinhas femininas são cuecas. As cuecas masculinas também. Por essas e outras se acredita que somos dois países separados pela mesma língua. E o dramaturgo Oscar Wilde dizia de seu colega George Bernard Shaw: "Shaw não tem um inimigo no mundo. Em compensação, nenhum de seus amigos gosta dele".

Ficou famosa a frase de Jean-Luc Godard: "A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade 24 vezes por segundo". Mas Godard não contava com a inteligência artificial, que tornou o cinema a mentira 24 vezes por segundo. E alguém falou outro dia do problema da segurança em São Paulo: "Latrocínio era roubo seguido de morte. Agora é morte seguida de roubo".

Um ecologista perguntou: "Pode-se acreditar que, um dia, o ar já foi limpo e o sexo, sujo?". Claudio Manoel, cardeal do ex-grupo Casseta&Planeta, definiu a nossa nova situação institucional: "Antes, os políticos eram eleitos por votos. Hoje, por devotos".

E quem não se lembra da cantilena de Bolsonaro, "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos"? Conversa para trouxas. Com sua campanha para reduzir o Brasil a um puxadinho dos EUA com Donald Trump como síndico, Bolsonaro não demora a arrancar sua máscara de religioso e, no desespero, acusar Deus de conluio com Alexandre de Moraes.

O aparente regresso da fé a Silicon Valley

A piada favorita na região era que a fé cristã era ilegal. Ou quase. Embora continuasse a haver cristãos na zona, eles optavam por esconder a sua fé e fingir que não tinham convicções religiosas. Hoje tudo mudou, e muito embora já não se reaja abertamente contra a fé, ainda se sente nalguns meios intelectuais que as convicções cristãs constituem uma espécie de desvio.

Note-se que esta deformação de pensamento ainda é mais forte na Europa. Há uns anos, no final duma sessão dum congresso académico numa universidade em Lisboa, onde proferi uma conferência, uma senhora veio ter comigo para manifestar a sua surpresa deste modo: “Como é que uma pessoa inteligente (referia-se a mim…) pode ser crente em Deus?” A minha resposta foi que, justamente por ser inteligente é que era cristão. Talvez não tenha sido a melhor resposta, mas pelo menos procurei desmontar o vício de pensamento que se posiciona na base de tal pergunta, pois bem sabemos que entre os maiores cientistas do mundo sempre se contaram religiosos e não-religiosos, o que demonstra que fé e ciência de modo algum são incompatíveis.

Durante muito tempo, em Silicon Valley a cultura dominante privilegiava um determinado modelo de “pessoa inteligente”, caracterizada por apoiar os direitos das minorias, ser anti-racista ou adepto das filosofias orientais. Podia até simpatizar com o Islão porque caso contrário poderia parecer xenófobo, ou com o judaísmo porque o antissemitismo ainda não era moda.


Entretanto, quando muitos pensavam que a humanidade estava em marcha acelerada na senda do progresso, começou a perceber-se que na realidade se estava em regressão. Mesmo os mais progressistas começaram a aperceber-se de que muito provavelmente era necessário regressar a uma estrutura ética sólida e de milénios, como a judaico-cristã.

Neste momento, os cristãos de Silicon Valley sentem-se encorajados devido ao facto de contarem com numerosos milionários e cientistas entre eles. Até mesmo Elon Musk se assumiu como um “cristão cultural”: “Eu acredito que os ensinamentos de Jesus são bons e sábios”. Embora se duvide que tal afirmação seja realmente uma coisa boa, vinda de quem vem, o facto é que se indivíduos como Musk afirmam admirar os ensinos bíblicos, então isso ajuda a retirar à fé cristã o labéu norte-americano de ser considerada anticapitalista ou anti-intelectual.

Neste momento, se alguém chega junto de potenciais investidores e diz que ama os pais, cresceu na igreja, serviu no exército, e que isso o influenciou no sentido de uma postura de ética profissional, existe uma imediata disposição para apoiar os seus projectos com financiamento.

Naquela região subsiste a ideia de que criar bons produtos e trazê-los ao mercado faz com que Deus se torne mais real na vida dos consumidores, alimentando-se assim a ideia duma espécie de “deus do consumo”. No entanto, parece que a indústria tecnológica já não confia em si mesma e no mercado para fazer do mundo um lugar melhor, como sucedia no passado. Agora sente-se a necessidade de um pano de fundo ético, o que abre espaço à religião e à espiritualidade, partindo do pressuposto de que os valores espirituais são realmente diferentes dos interesses tecnológicos seculares pós-modernos.

Acresce a isso o receio de que as máquinas venham a competir com a inteligência humana, ou mesmo a substituí-la, através duma IA superlativa, uma espécie de superinteligência artificial, e daí poderá mesmo resultar que alguns a considerem como um deus.

Embora muitos dos cristãos “tecnológicos” de Silicon Valley creiam que a dialética entre produtos inovadores, mercado e ética não poderá ser resolvida através do pensamento religioso, a verdade é que o regresso à fé que atualmente se verifica parece estar a oferecer-lhes uma alternativa de vida e crença. Resta saber se, afinal, não estaremos perante uma coisa diferente da fé cristã, isto é, uma espécie de nova religião.

O mundo se cala sobre o genocídio de Gaza e, às vezes, é pior quando fala

Em seu primeiro discurso dominical , em 11 de maio, o Papa Leão XIV pediu um cessar-fogo imediato em Gaza e expressou preocupação com a escalada da guerra global. Ao reiterar o apoio de seu antecessor a Gaza, o Papa não cometeu atos de comissão (transgressão ativa) nem perpetrou os atos mais comuns de omissão (omissão quando se é moralmente responsável por fazê-lo).

O mesmo não pode ser dito de grande parte da população mundial. Lá, o sentimento varia de "indivíduos não podem mudar o mundo, então por que se preocupar?" a "Israel tem o direito de se defender contra outro ataque terrorista".

Quanto aos primeiros, indivíduos como jornalistas, escritores e comentaristas públicos certamente podem fazer a diferença, enquanto os demais podem se juntar a uma organização que trabalha coletivamente para trazer paz global com justiça.

Em relação a este último, que é possivelmente mais pernicioso, Israel, por ser o colonizador, não tem o direito legal de cometer genocídio contra os colonizados. A disseminação dessa desinformação permitiu que a entidade cometesse assassinatos em massa impunemente.

Enquanto Israel continua a cometer uma atrocidade após a outra, cada uma mais horrível que a anterior, parece haver muito pouca ação para impedi-la.


Como observa Ramzy Baroud , esses atos de omissão são realizados com “vários graus de raiva, desamparo ou total desrespeito”.

Mesmo quando alguns ativistas não se calam, seja individualmente ou como política de grupo, muitas vezes há muita coisa que é propositalmente omitida de suas declarações. Como observa Amanda Gelender, é "profundamente decepcionante e francamente inconcebível" que muitos de seus companheiros judeus antissionistas "ainda se recusem a apoiar aberta e inequivocamente a resistência armada palestina".

"Não é seu direito como 'antissionistas' judeus higienizar e enfraquecer a luta", ela continua . "jogando a resistência debaixo do ônibus para apaziguar as sensibilidades liberais de seus membros, doadores, famílias e seguidores de uma forma que se adapte aos seus debates filosóficos, egos frágeis, culpa e conforto, bem como à escuridão vazia de suas próprias presunções."

Sua declaração se aplica a todos os funcionários públicos, comentaristas e indivíduos, antisionistas ou não, que afirmam se opor à campanha de limpeza étnica de Israel, mas não chegam a chamá-la de um genocídio que remonta à Nakba original.

Por exemplo, o senador Bernie Sanders (Vermont) é conhecido como um político progressista devido ao seu apoio ao sistema nacional de saúde, ao aumento do salário mínimo, juntamente com outras políticas sociais.

Apesar de ser aclamado por criticar a “destruição do povo palestino” pela entidade , seus comentários são frequentemente extraídos do manual sionista liberal.

Em 8 de maio de 2025, Sanders fez um discurso repreendendo o Congresso por seu silêncio sobre o "pesadelo provocado pelo homem" que acontece em Gaza.

Depois de listar todos os problemas de Gaza, até mesmo criticando o gabinete de Netanyahu por seus crimes de guerra, Sanders passa a dizer que Israel tinha o direito de se defender depois que "o Hamas, uma organização terrorista, começou esta guerra terrível com seu bárbaro ataque contra Israel em 7 de outubro de 2023, que matou 1.200 pessoas inocentes e fez 250 reféns".

Essas observações desfazem todas as boas intenções de Sanders porque a maior parte dessa declaração foi usada primeiro por Israel para justificar o genocídio que agora está em seu 591º dia , além disso, suas palavras são uma distorção dos fatos.

Embora o direito internacional conceda aos ocupados o direito de resistir à ocupação, não concede o mesmo direito ao ocupante. Além disso, grande parte da matança foi perpetrada pelo próprio Israel, enquanto seus soldados atiravam descontroladamente na confusão do momento.

"Houve uma histeria insana, e decisões começaram a ser tomadas sem informações verificadas", escreve Yaniv Kubovich. Além disso, documentos e depoimentos reunidos pelo Haaretz mostram que soldados israelenses empregaram a ordem operacional de Hannibal, que permite que os militares usem a força para impedir que soldados sejam levados como prisioneiros pelo inimigo.

Por fim, Sanders tira o dia 7 de outubro do contexto, como muitas pessoas fazem. Especificamente, ele não menciona a Nakba (catástrofe), que ocorreu em 1948, mas continua desde então.

“Uma das tácticas utilizadas pelo Ocidente e por Israel foi quase conseguir descontextualizar o 7 de Outubro, fazendo com que parecesse ter surgido do nada”, explica o especialista jurídico Richard Falk em uma entrevista ao Palestine Chronicle.

Dessa forma, Sanders demoniza a resistência, que ele rotula como uma organização terrorista responsável por essa “guerra terrível”, não apenas tirando o dia 7 de outubro do contexto, mas também removendo-o da história da luta anticolonial que continua até hoje.

Políticos "progressistas" como Sanders parecem mais confortáveis ​​compartilhando fotos de crianças famintas do que permitindo aos palestinos sua plena humanidade, o que exigiria ver sua luta como uma resposta legítima a décadas de ocupação. Em vez disso, eles veem os ocupados como meras vítimas, o que é claro que são, mas também são corajosos lutadores pela liberdade que resistem como a única opção moral.

“A descolonização está atualmente sendo travada pela resistência no campo de batalha”, escreve Gelender, “não nas urnas dos EUA”.

“O que está em jogo é a soberania da própria narrativa”, escreve Mohamed L. Mokhtar, “quem define a justiça, quem controla o significado, quem decide o que é visível e o que permanece oculto”.

Em uma análise do livro de Peter Beinart sobre “Genocídio, Trauma e Identidade Judaica”, como o artigo é intitulado, Paul Von Blum concorda com o apelo de Beinart por uma nova narrativa judaica, “uma que seja baseada na igualdade e não na supremacia”.

No entanto, Von Blum e, por padrão, Peter Beinart, não têm clareza sobre como passar de um genocídio para uma vida de coexistência.

A partir daqui, Beinart e seu crítico retornam ao tropo padrão de confundir resistência com atos terroristas, uma "análise de ambos os lados" que apaga o apelo por uma nova narrativa que inclua o que veio antes.

“Beinart entende perfeitamente o trauma que o ataque do Hamas em 7 de outubro causou aos judeus em Israel e em outros lugares”, escreve Von Blum, fornecendo assim cobertura para a resposta desproporcional de Israel.

Para seu crédito, Beinart destaca a opressão histórica dos palestinos, observa Von Blum , mas o crítico continua escrevendo que isso "de forma alguma absolve o Hamas por sua carnificina".

Dessa forma, ambos os escritores oferecem um relato a-histórico da resistência palestina. Assim como Sanders, eles deixam de mencionar que o dia 7 de outubro é mais um capítulo na longa história das lutas pela liberdade — a revolta de Nat Turner, Wounded Knee, o Vietnã, a Revolta do Gueto de Varsóvia e o movimento "Terra de Volta", para citar alguns.

De fato, quando um grupo de pessoas é mantido em cativeiro por um período significativo, seus algozes convivem com o medo de que a qualquer momento possa ocorrer uma revolta dos próprios vitimizados. Isso certamente era verdade nas plantações de escravos no sul dos Estados Unidos, onde os donos dos escravizados sabiam que sua "propriedade" queria ser libertada.

Como judeu, não sinto esse tipo de medo, pelo menos não por parte dos palestinos. O que me preocupa são os grupos sionistas que estão cada vez mais se manifestando em seus esforços para, no mínimo, intimidar organizações antisionistas, especialmente seus companheiros judeus.

Em vez de focar no trauma judaico, como Beinart parece fazer, talvez seja melhor discutir esforços como o Projeto Esther, que visam rotular grupos pró-palestinos como organizações terroristas para que os membros possam ser mais facilmente "deportados, desfinanciados, processados, demitidos, expulsos, condenados ao ostracismo e excluídos de outras formas do que é considerado uma 'sociedade aberta'".

Tendo sido eu próprio alvo dessas políticas, parece, por vezes, surreal que judeus, que vivenciaram o seu próprio Holocausto, às vezes apenas na segunda ou terceira geração, estejam agora a ser ameaçados por protestarem contra outro genocídio. Desta vez, não é sangue judeu, mas sim palestino, que está a ser derramado.

“Em meio à depravação implacável deste holocausto”, conclui Gelender, “a resistência é o único antídoto para o desespero. Nunca capitular, nunca se ajoelhar, lutar contra todas as adversidades, até a vitória.”

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Pensamento do Dia

 


A esquerda tirou os olhos da bola, e a direita saiu correndo com ela

Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ataca diretamente a liberdade acadêmica de uma universidade como Harvard, fica muito claro que ele nunca teve verdadeiramente uma agenda de liberdade. Como tantos autoritários antes dele, a conversa da liberdade foi apenas um meio para chegar a um fim, o poder, a partir do qual passou a esmagar a liberdade dos outros.

A culpa principal é de quem participou nessa perversão ideológica. Há já uma década que duas versões da liberdade têm sido vendidas pela direita radicalizada. Uma delas é conservadora, patriarca e nacionalista: a liberdade de ofender, insultar e degradar, apresentada contra a "ditadura do politicamente correto" ou do wokismo ou, mais frequentemente, apenas para chatear a esquerda. Qualquer observador minimamente atento sabia que esse pessoal nunca quis saber de liberdade.

Uma segunda versão, a dos ultraliberais, era mais genuína: eles acreditavam (e alguns ainda acreditam) em uma versão da liberdade como não interferência por parte do Estado, mas é uma liberdade desidratada. Menos Estado, mais liberdade. Menos impostos, mais liberdade. Não passa disso. É uma liberdade poucochinha, como dizemos aqui em Portugal.


Mas é preciso que a esquerda assuma também as suas culpas nesse sequestro e subversão da liberdade. Só foi assim tão fácil para a direita ocupar o espaço semântico da liberdade porque a esquerda, em boa medida, deixou-o abandonado. Esse jogo foi perdido pela esquerda por falta de comparecimento, ainda antes de começar.

Grande parte da esquerda deixou que se tornasse consensual a ideia de que a direita era pela liberdade como a esquerda seria pela igualdade. Essa ideia não tem qualquer sentido histórico: a esquerda do século 19 e de grande parte do 20 é uma esquerda da luta pela liberdade, que é sempre o primeiro valor na tríade revolucionária, com a igualdade e a tão esquecida e menosprezada fraternidade. Mas sem liberdade, nada vale a pena.

Outra parte da esquerda convenceu-se de que andava ocupada com os outros valores —a justiça, em particular a social, ou a sustentabilidade— sem perceber que a defesa deles só é eficaz se forem enquadrados num entendimento de raiz libertária: a justiça ou a sustentabilidade são princípios que asseguram a equilibrada distribuição da liberdade, numa sociedade ou ao longo do tempo.

Outra esquerda ainda foi incoerente na defesa da liberdade, desculpando ditaduras ou violações de direitos humanos por solidariedade táticas, afinidades históricas ou geopolíticas, ou outras razões espúrias. Mas a liberdade não pode ser descartável, nem instrumental.

Em resumo, a esquerda tirou os olhos da bola. E a direita correu com ela por mais de uma década. E com isso ganhou um eleitorado jovem, urbano, ascendente, proletário, ou simplesmente gente que sonha com uma pequena independência ou prosperidade para si e para os seus. Gente que deveria ser o público da esquerda.

Pode ser que agora, que ficou evidente que o apego de certa direita à liberdade sempre foi fajuto, a esquerda acorde. Só derrotaremos os populistas de extrema direita se for em nome da liberdade.

Burlas virtuais, danos reais

A vida em sociedade sempre coexistiu com a burla. Na fábula de Esopo, Prometeu esculpiu Aleteia (a verdade) para que esta fosse capaz de regular o comportamento humano. Tendo de repentinamente ausentar-se, Dolo (o espírito da trapaça), ambicioso, com os dedos sujos moldou uma estátua à semelhança de Aleteia, mas não teve tempo de terminar os pés. Ao retornar à oficina, Prometeu, impressionado com a semelhança, infundiu vida em ambas as esculturas. A imitação de Dolo – Pseudo – era um produto do subterfúgio, que caminhava de forma desordenada.

A mentira tem a perna curta, dizemos, mas na era da vida online, colados ao telemóvel, os “pés” são mais difíceis de visualizar. Partilhamos online informação pessoal, tornando simples, via as novas ferramentas tecnológicas, detetar situações de vulnerabilidade (a morte de um familiar, uma separação, doença…), “cultivar” relações (amorosas ou não) e ludibriar, com promessas de ganhos financeiros. Pseudo chega até nós via redes como o LinkedIn, o Tinder ou WhatsApp. Mas quem é Pseudo no mundo virtual?

Xi Jinping, nomeado, em 2012, secretário-geral do Partido Comunista Chinês, iniciou uma campanha anticorrupção no sistema do Estado, que lhe permitiu não só eliminar opositores políticos, mas também quebrar relações entre os funcionários do Estado e as tríades que dominavam o negócio do jogo em Macau, Hong Kong e Taiwan. Demonstrando enorme resiliência, as tríades transferiram-se para o espaço virtual. Embora inicialmente focadas no mercado chinês, hoje as potenciais vítimas são qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo, com um telemóvel.


O negócio sofisticou-se, operando em rede. Existem “empresas” de recrutamento, que fornecem a mão de obra, atraindo para “empregos”, que parecem bem pagos, pessoas do Sudeste Asiático, África e América Latina. Estas pessoas tornam-se os novos escravos, vendidos a “call center”, impedidos de abandonar as instalações e sujeitos a tortura caso a sua performance seja baixa (ou seja, caso se mostrem incapazes de enganar os incautos espalhados pelo mundo). E, finalmente, grupos especializados em branqueamento de capitais.

No século XXI, a par dos narco-Estados, nasceram os Estados cibercrime, como Camboja, Mianmar, Laos. Os recursos dos sindicatos do crime são de tal forma vastos, que capturam o Estado. Pagam a funcionários que facilitam a entrada dos futuros “trabalhadores” e a polícias e agentes do Estado que fecham os olhos aos edifícios, cercados de arame farpado, onde operam dezenas de milhares de pessoas (no Camboja estima-se que 100 mil pessoas trabalhem nestes centros). E se, preferencialmente, estes centros se localizam em regiões remotas da fronteira que separa Mianmar e Laos, a impunidade cresceu e na capital das Filipinas, Manila, a agência anticibercrime opera hoje num complexo de escritórios até há pouco tempo ocupado por uma rede de criminosos. Agentes da autoridade circulam entre a sala de karaoke – onde os chefes se divertiam –, a sala de tortura, o call center e os dormitórios (onde, aliás, ainda permanecem os “trabalhadores” enquanto se tenta distinguir chefes de vítimas de tráfico).

Pseudo multiplicou-se. O combate ao cibercrime tornou-se, por isso, prioritário e exige ação concertada. No entanto, num mundo às avessas, a cooperação internacional tornou-se difícil. As melhores práticas parecem vir de Singapura, onde, nos espaços públicos anúncios advertem para os riscos, nas esquadras os agentes encaminham queixas para um centro, onde autoridades e bancos atuam de forma concertada, para tentar barrar transferências em criptomoedas (o esquema preferencial). O perigo não vem apenas da Ásia, existem esquemas mais simples continuamente a renascer. Os SMS falsos podem ser evitados logo que se imponha um número único e não replicável para entidades críticas (Estado, bancos, fornecedores de energia, correios…) – um processo que se arrasta, mas que em Taiwan já opera, trazendo confiança ao sistema e evitando burlas. E nós, individualmente, devemos abordar o tema com familiares e amigos. São o isolamento e a vergonha que permitem a Pseudo ser tão bem-sucedido.

Chega. Israel está cometendo crimes de guerra

O governo de Israel está atualmente travando uma guerra sem propósito, sem objetivos ou planejamento claro e sem chances de sucesso. Nunca, desde a sua criação, o Estado de Israel travou uma guerra como essa.

Ultradireita avança a agenda da 'nova ordem mundial'

Na ocasião da posse de Donald Trump, em janeiro de 2025, fãs do presidente americano vindos de todas as partes do mundo afluíram a Washington para participar do evento histórico. Entre os presentes, estavam o presidente da Argentina, Javier Milei, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni. Políticos de ultradireita na oposição, como Nigel Farage, do Reino Unido, assim como representantes do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), também se vangloriaram por estar entre os convidados.

A direita radical aproveitou o evento para fazer contatos com seus pares pelo mundo todo. Na véspera, figuras como o filho do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o ideólogo-mor de Trump, Steve Bannon, um parlamentar da AfD e vários influenciadores também se encontraram para trocar ideias. Um influenciador de direita da Alemanha inclusive se filmou no encontro enquanto se gabava de ter recebido um convite do embaixador de El Salvador. O movimento tem uma sede de conexões nunca vista antes.

O fato de justamente Donald Trump ter se tornado um ímã para ultranacionalistas de todo o mundo com sua agenda "America First" é um fenômeno por si só – sobretudo porque muitos deles tendem a ser ideólogos antiamericanos. Mas essa aliança global de antiglobalistas é um paradoxo apenas à primeira vista.
Contra a imigração e uma sociedade moderna

"O que une essas redes é a rejeição da migração, o nacionalismo, as imagens da família tradicional e o antiglobalismo", sumariza a professora de sociologia Katrine Fangen, da Universidade de Oslo, na Noruega

"O objetivo dessas redes não é simplesmente lutar por mais influência política. Seu objetivo final é um realinhamento da ordem mundial ideológica global – elas estão lutando pelo nacionalismo e pelo conservadorismo social e contra a democracia liberal."


E a direita radical está aprendendo rapidamente através da troca de experiências. As estratégias e os sucessos num país são logo adotados por outros movimentos, analisa o cientista político Thomas Greven, da Universidade Livre de Berlim. Ele considera que a extensão da rede da direita radical é algo historicamente sem precedentes.

As táticas são descritas em seu livro Das internationale Netz der radikalen Rechten (A rede internacional da direita radical): "Por exemplo, a estratégia de Bannon 'flooding the zone with shit' ["inundar a zona com merda"] é muito bem-sucedida internacionalmente. Nela, o oponente político é constantemente bombardeado com provocações, mentiras, novas ideias e hostilidade", explica Greven. "Essa estratégia de comunicação agora é usada em todos os lugares por atores radicais de direita."

A relação de seus seguidores com a democracia é instrumental: eles precisam dela para chegar ao poder. "O foco é dizer: quem quer que tenha sido eleito deve ser capaz de governar sem barreiras", explica Thomas Greven. Seu termo para isso é "democracia hipermajoritária", ou seja, voltada exclusivamente para supostas maiorias.

"Viktor Orbán, por exemplo, levanta-se e diz: 'Fui eleito com um mandato claro para manter a migração fora da Hungria, e não quero que instituições europeias, tribunais, resistência da sociedade civil ou qualquer mídia financiada por estrangeiros me impeçam de governar'".

Contradições e concessões são anátema para eles. "Os protagonistas da direita radical estão incomodados com o fato de que, devido à crescente legalização, burocratização e supranacionalização, há obstáculos demais essa vontade da maioria. E esta deve se impor numa democracia hipermajoritária."

Em sua luta ideológica, a direita radical também tem muito dinheiro à disposição. Os doadores mais famosos vêm dos EUA: Elon Musk e os irmãos Koch, empresários bilionários que apoiam a luta ideológica. O bilionário da tecnologia Musk, aliás, não se envolve apenas com dinheiro, mas é, ele próprio, um protagonista da direita radical. Em sua plataforma X, ele se entusiasma com a AfD na Alemanha, apoia a direita radical no Reino Unido e critica os partidos liberais.

Mas não são apenas os doadores privados que apoiam as redes de direita. Rússia e China, por exemplo, também são constantemente criticadas por alimentar as redes populistas de direita para desestabilizar as sociedades liberais.

Entretanto o financiamento por parte dos inimigos declarados da direita radical também ganhou importância, como no caso das verbas da própria União Europeia e de democracias liberais. Na Alemanha, por exemplo, o odiado Estado liberal é o doador mais importante da AfD: em 2021, mais de 10 milhões de euros, ou cerca de 45% dos recursos do partido, vieram dos cofres do Estado.

A explicação é que, numa democracia partidária, o Estado apoia o trabalho das diferentes siglas – e o apoio financeiro aumenta conforme o crescimento delas. "Isso permite que os partidos radicais de direita ampliem seu alcance. Além disso, o Parlamento Europeu, por exemplo, lhes oferece um espaço mais ou menos automático para a cooperação internacional, incluindo recursos adicionais que protegem suas redes", observa a socióloga Katrine Fangen.

Neste início de 2025, a estratégia das redes radicais de direita parece estar funcionando: Donald Trump foi reeleito nos EUA, e os partidos populistas de direita continuam a crescer na preferência dos eleitores em países como Alemanha, França, Reino Unido e Áustria.

Sua ascensão é irrefreável? O cientista político Thomas Greven diz que não. Muitos partidos radicais de direita se beneficiariam do fato de nunca terem tido que governar sozinhos, e sua situação de oposicionistas é relativamente confortável. Além disso, seu sucesso encobre as diversas fissuras de movimentos cuja união, muitas vezes, é apenas superficial, explica o acadêmico.

"Se a discordância nas bases quanto aos conteúdos se unir à insatisfação entre o eleitorado em geral, o sucesso da ultradireita pode ser novamente revertido", argumenta Greven. Mas há um pré-requisito, enfatiza o politólogo: "que as instituições democráticas funcionem".

O fascista que habita em nós

Em março de 2023, o psicanalista italiano Massimo Recalcati publicou no jornal La Stampa um texto sob o título Aquele homem fascista que vive em nós. Em seu primeiro parágrafo recorda um fato interessante cabível de análise e discussão: “Um grande filósofo como Gilles Deleuze acreditava que a premissa básica da luta antifascista tinha como primeira e imprescindível condição a luta contra o fascista que cada um de nós carrega dentro de si.”. A pergunta que fica: será que carregamos, por mais engajados na causa antifascista, um germe de autoritarismo capaz de reproduzir inconscientemente ideais fascistas?

Em primeiro lugar, a postura revela o traço inerente ao fascista: intolerância ao diferente; convicções dogmáticas e absolutas sobre temas políticos e religiosos; a justificação da violência; o ódio gratuito e ilimitado; a censura e interdição da opinião alheia e da liberdade de cada um e a crítica violenta contra qualquer objeção ou discordância trazida. Cada um desses traços revela um complexo de superioridade que se assemelha a de um ser onipotente e onisciente, todavia pautado numa má formação da própria consciência de si. O fascista, por si, reproduz um sinal de emergência de sua escassez existencial, fazendo da subjetividade do outro um motivo para ele agir violentamente, reproduzindo esse movimento como autodefesa de suas fraquezas e más formações. Por isso, costumamos dizer repetidamente: o intolerante reproduz no outro aquilo que mais incomoda a si mesmo. Não deixa de ser uma verdade quase dogmática.

Tendemos a esse modus operandi, sobretudo, quando deixamos de observar a realidade total da vida e das coisas para focar nos impulsos mais radicais que passam pela nossa cabeça, encontrando forças no respaldo de outros que legitimam tais selvagerias. Por conta disso, os movimentos que mais ganham adeptos são os mais radicais. A cultura do patrulhamento mina o surgimento de ideias e correntes que lutam por um mundo mais igualitário, livre e fraterno, sendo por conta disso um mal que, aos poucos, galga terreno para além dos muros do extremismo autoritário: ela permeia nosso modo de observar o diferente. 


A tentação de reprimir o outro, nas palavras de Massimo Recalcati, se fundamenta internamente no próprio ser humano, constituído naturalmente por sua inclinação à censura do diferente como autodefesa: “Por isso Deleuze nos convidava a presidir nosso fórum interno de forma verdadeiramente antifascista. Nunca é uma tarefa fácil porque, como recordava Umberto Eco, o fascismo não é apenas um produto histórico-ideológico da política, mas também uma tentação que anima eternamente a vida humana”. O próprio filósofo Umberto Eco apontava o poder do avanço das redes sociais como motor que dissemina e dá força às ideologias perniciosas, quando estas permitem que um sujeito qualquer, outrora sem importância e que não deveria ter crédito em suas palavras, obtém respaldo e adeptos em seus devaneios mitológicos.

O psicanalista italiano recorda que “a agressão organizada, o uso ideológico da violência, os vandalismos e a exibição de símbolos de ódio são claramente estranhos ao espírito da democracia”. Evidentemente, grupos que defendem uma sociedade engessada ou paralisada em concepções arcaicas ou fundamentalistas são mais propícios a aderirem tais prerrogativas, entretanto o psicanalista nos alerta que nem sempre são eles seus únicos reprodutores. Em outras palavras, não se deve combater fazendo uso dos mesmos instrumentos utilizados por movimentos que portam a bandeira da intolerância e do autoritarismo: “Em um estado democrático, nunca se deveria legitimar um uso antifascista da violência - nem mesmo aquela violência verbal que, como ensina a psicanálise, nunca é apenas verbal – pois toda forma política de violência permanece sempre fascista em si mesma, pois vai contra a lei democrática da palavra”.

Não utilizar dos mesmos recursos violentos, em primeiro momento, parece contraditório ou até mesmo sinal de fraqueza. Alguns justificariam o mesmo princípio de autodefesa fundamentado, por exemplo, no “paradoxo da tolerância”, que permeia uma ideia de tolerância que, se levada ao uso irrestrito, levaria ao desaparecimento da mesma. O filósofo Karl Popper nos alertou que “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e com eles a própria tolerância.”. Todavia, o psicanalista italiano nos alerta o fato de que ao revidar através dos mesmos instrumentos utilizados pelos agressores, impulsionamos uma tendência diversa do espírito democrático, ou seja, contribuímos na contaminação totalitária, mesmo que a intenção seja totalmente diferente. Revidar a violência, em suma, nos torna semelhantes, segundo o psicanalista italiano, aos nossos algozes ideológicos e políticos, mas a primeira tentação surge na utilização desse meio, isso é evidente. O perigo reside, sobretudo, na propensão e tentação em nos tornarmos os algozes dos nossos algozes, ou parafraseando o filósofo brasileiro Paulo Freire, da posição de oprimido passar ao posto de opressor.

Os sinais que evidenciam o espírito fascista estão por toda parte, são fáceis de serem identificadas. Quais são esses sinais? Recalcati afirma: “a agressão organizada, o uso ideológico da violência, os vandalismos e a exibição de símbolos de ódio”. Encontramos, então, a partir dessas palavras, um paradoxo interessante para analisarmos: mesmo engajados num espírito antifascista estão determinados movimentos ou sujeitos, ainda existe a probabilidade em reproduzir o totalitarismo extremista. É uma tentação fascista. E isso não se reduz aos espectros políticos. Por isso, diante da realidade atual, onde a democracia liberal se conquistou terrenos em quase todo o mundo, até mesmo em sua terra natal, o psicanalista italiano nos indaga: “em tempos de democracia já consolidada em nosso país há quase 80 anos, podemos tentar ser mais intransigentes com nosso fascismo interno? Podemos tentar rejeitar a tentação autoritária que atravessa cada um de nós e muitas vezes encontrou justamente numa determinada cultura de esquerda considerada antifascista o seu terreno fértil?”

Como Wilhelm Reich descreve no início de sua obra Psicologia de Massas do Fascismo, o verdadeiro problema não reside no motivo pela qual as massas suportam passivamente a opressão do fascismo, mas na tendência em desejá-lo ardentemente. Esse desejo pode desvelar uma profunda crise de identidade na nossa sociedade contemporânea, a de tentamos combater o mal nos utilizando das mesmas armas e artifícios ou, em outras palavras, combatermos o fascismo incorporando elementos fascistas, só mudando a roupagem e o perfume.

Assim, Massimo Recalcati procura expor uma tentação de uma pequena parcela da própria esquerda: incorporar um protótipo fascista no intuito de combater o mesmo. No final das contas, apenas saberemos quem vencerá no quesito “quem é mais fascista?”, sem uma solução profícua nas verdadeiras demandas de nossa democracia. Em outras palavras, não se combate o extremismo com mais extremismo, da mesma forma que não se deve combater a violência com mais violência. Esse desejo, afirma o psicanalista italiano, “expressa uma tendência própria da realidade humana: livrar-se da ansiedade da liberdade, preferir a consistência das correntes e da ditadura em vez da aleatoriedade da vida, buscar refúgio na ‘cimentificação’ da própria identidade em vez de se arriscar à abertura”. O novo amedronta. Somos medrosos em arriscar, em ouvir aquilo que diverge de nossas opiniões, em estabelecer nossos limites. Por isso maquiamos todos esses medos e nos tornamos seus “extremos”, inclusive na política, reproduzindo a ameaça daquilo que nos ameaça. Apenas um mecanismo de autodefesa, creio eu.

Por fim, faço memória ao ex-deputado socialista italiano Giacomo Matteotti, nascido em maio, morto por Mussolini após proferir um longo e histórico discurso no Parlamento Italiano em 1924, que não silenciou diante do avanço fascista. Escolheu as vias democráticas para fazer oposição à ascensão fascista, sem medo das suas ameaças. Entrou para história e ficou marcado como importante líder antifascista. Dentre suas contribuições na tribuna, expôs a inércia de alguns grupos de esquerda, que acabavam colaborando indiretamente para o fascismo ganhar força, por não agir adequadamente, ou seja, pensando mais em seus projetos particulares do que lutando contra uma ameaça em comum. A desunião das esquerdas, naquele momento, colaborava indiretamente para a proliferação do extremismo fascista.

É importante não confundir tendências revolucionárias com reacionárias. Se a sociedade se tornar cada vez mais reativa, sem dúvida o terreno ficará mais propício em desvelar o fascista que habita em nós.
Railson Barboza

terça-feira, 27 de maio de 2025

Pensamento do Dia

 


Está chegando ao fim a supremacia ocidental?

A pergunta do título ao lado se justifica porque tudo parece de ponta-cabeça. Os neoliberais estão virando nacionalistas e protecionistas. Os socialistas/comunistas se mostram liberais e defensores do livre mercado, pelo menos na retórica. E o ódio aos imigrantes se espalha.

A resposta de um respeitado sociólogo brasileiro, José Luís Fiori, professor emérito da UFRJ, é objetiva: vivemos um momento de “desordem global”, de caos e incerteza sobre o futuro, porque uma era acabou e será preciso construir uma nova ordem.

Fiori, que ministra um curso de extensão sobre A Geopolítica do Século XXI na FESPSP, observa que os principais chefes de Estado do mundo, antes e depois da posse de Donald Trump, têm sido claros sobre o fim dessa ordem mundial. Cita Josep Borrell, ex-vice-presidente da Comissão Europeia, que afirmou com todas as letras: “A supremacia ocidental terminou”.

Não se trata de inocentar Donald Trump de suas trapalhadas e da hiperatividade ultradireitista e até fascista. Mas não foi ele quem provocou essa mudança. A estúpida guerra tarifária e outras iniciativas dele apenas aumentaram o sentimento de desordem, explica Fiori.

O que ocorre no mundo, portanto, é uma disputa por supremacia e poder na nova ordem mundial em formação. Para facilitar o raciocínio, José Luís Fiori elenca alguns acontecimentos emblemáticos do pós-2020, não necessariamente em ordem cronológica, responsáveis pela implosão da ordem global neoliberal constituída a partir do fim dos anos 1970 e dos resquícios daquela estabelecida no pós-Guerra com instituições internacionais, como a ONU.

O primeiro acontecimento emblemático se deu na pandemia da covid-19, por conta de suas consequências, não apenas pelas mortes de 7 milhões de pessoas, mas também por razões geopolíticas. Seu efeito foi altamente corrosivo para o discurso da globalização. Toda a retórica neoliberal dos desafios comuns e da solidariedade global foi água abaixo com o egocentrismo revelado pelas nações mais ricas quando bilhões de pessoas se refugiavam em casa, assombradas com o risco de morte. Para os países pobres, Brasil incluído, faltaram UTIs, respiradores e até simples máscaras.

O segundo acontecimento foi a retirada humilhante das tropas dos EUA do Afeganistão, concluída em 2021, depois de 20 anos de bombardeios massivos determinados por vários presidentes, inclusive Barak Obama (foi o que mais bombardeou). A nação dominante saiu derrotada por um povo tido como desqualificado pelo poderio americano.

O terceiro foi e continua sendo o massacre dos palestinos em Gaza, promovido por Israel, com transmissão ao vivo, na interminável represália ao covarde ataque terrorista do Hamas. Quem acreditava haver algum instrumento global para parar o morticínio descobriu que isso não existe. As instituições multilaterais, inclusive a ONU, foram desmoralizadas. E a explosão de crueldade cumpriu e cumpre um papel importante na erosão definitiva da moralidade do Ocidente.

O quarto foi a guerra na Ucrânia. O fato de os russos entrarem na Ucrânia sem “dar bola” ao poderio militar do Ocidente indica que a Rússia já ganhou essa guerra. A vitória foi militar e econômica. As 30 mil sanções econômicas aplicadas contra o país agressor não aleijaram a Rússia, que continua a crescer, mas atingiram a Europa, principalmente pela redução do fornecimento de petróleo e gás.

A Rússia resistiu às sanções americanas e europeias, redesenhou seu modelo de produção nacional e sua estratégia econômica de inserção internacional e voltou a crescer. Enquanto isso, as economias europeias entraram em processo de desaceleração e estagnação. Agora, para fazer a paz, os russos não querem apenas ficar com a Crimeia e outros territórios conquistados: querem discutir a nova ordem global. E o afastamento econômico da Rússia com relação à União Europeia e aos grupos do G7 representa “um passo irreversível da economia russa na direção do continente asiático, firmando o bloco eurasiano como epicentro econômico do sistema capitalista mundial”.

Steven Levitsky, laureado autor do livro “Como as democracias morrem”, disse ao jornalista Marcos de Moura e Souza, do Valor, que lhe “tira o sono” o fato de Trump estar ajudando a destruir a ordem internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial. Para o bem ou para o mal, observou Levitsky, os EUA eram os líderes do Ocidente liberal democrático e os principais líderes militares e econômicos do conjunto de países do mundo que chamamos de democracias liberais.

Para onde, então, está caminhando a nova ordem mundial? Analistas costumam afirmar que o sistema está transitando de uma ordem unipolar e globalizada para a multipolar e desglobalizada. Fiori acha que essa “transição” não está clara. De um lado, vê as grandes potências ocidentais que não se dispõem a renunciar à supremacia mundial que exerceram nos últimos 300 anos. De outro, as novas potências regionais que pedem passagem. Nenhum desses países ou conjuntos de países tem hoje capacidade de impor sua vontade sobre o resto do mundo.

O novo clube das grandes potências, segundo Fiori, certamente incluirá, pelo menos, EUA, China, Rússia, Índia e União Europeia (modificada, militarizada e liderada pela Alemanha). E não seria impossível - isso é assustador - imaginar um pacto entre EUA e China, com o surgimento de um “superimperialismo”. E com um detalhe: a nova corrida armamentista dessas potências, todas nucleares, já se dá não apenas na terra, mas no espaço sideral, observa o professor Daniel Barreiros, da UFRJ em aula na FESPSP.

De qualquer forma, até que a nova ordem se estabeleça, prevê Fiori, o mundo deve atravessar um período de flutuação, turbulência, instabilidade e imprevisibilidade até a segunda metade do século XXI. Boa sorte, gerações Alpha e Beta.
Pedro Cafardo

É a 'boa' vida...

Enquanto nos desumanizamos, assistimos a vídeos em que um gato mia “mamãe”, um cachorro toca música sobre as teclas de um piano e uiva ao mesmo tempo, bichanos imitam o dono durante exercícios de ginástica ou passos de dança, jogam longe o celular do humano para ganhar atenção, fazem charme e piscam para os espectadores, a um comando.

E há, ainda, a paixão sem limites pela IA. Quem se diz moderno não a dispensa. 

Brasil é uma ''mina de ouro' para casas de apostas

Entre as décadas de 1930 e 1940, o Brasil era como um paraíso dos cassinos. Mais de 70 casas funcionavam no país, e os jogos de azar faziam parte da cultura nacional. No dia 30 de abril de 1946, entretanto, essa realidade mudou abruptamente. Pelo menos de forma legal. Sob o argumento de que esse mercado feria a “tradição moral, jurídica e religiosa” do brasileiro, o então presidente Eurico Gaspar Dutra assinou um decreto proibindo a prática.

Quase 80 anos depois, o cenário é outro. Mesmo diante de um Congresso considerado conservador, o Brasil reabriu as portas para o mundo das apostas, legalizadas em 2018, com a Lei 13.756. Desde então, o país vive um novo “boom” desse mercado, agora de apostas online.

O setor deve ser regulamentado e fiscalizado a partir de janeiro de 2025. O Ministério da Fazenda já tem 182 pedidos de empresas interessadas em obter licença para operar no país, de acordo com o Sistema de Gestão de Apostas. Somente entre setembro e o primeiro dia de outubro, foram 70 novos pedidos.

O interesse é de empresas nacionais e multinacionais da área, como MGM Grand e Caesars Palace, que atuam no mercado de cassinos físicos em Las Vegas, nos Estados Unidos.

Na outra ponta, as apostas online estão fincando raízes na rotina da população. Uma pesquisa do Instituto DataSenado, publicada nesta terça-feira (01/10), mostra que 13% dos brasileiros com 16 anos ou mais, cerca de 22 milhões de pessoas, declararam ter participado de “bets” no último mês.

Outro levantamento da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) já havia mostrado que 63% de quem aposta no país compromete a renda para jogar. Já um levantamento do Banco Central (BC) revelou que inscritos no Bolsa Família teriam direcionado cerca de R$ 3 milhões para as bets apenas via Pix em agosto.

Esse último estudo vem sofrendo contestação, porém todos esses dados são termômetro da nova onda que já posiciona o Brasil, de acordo com a empresa especializada em análise de dados Comscore, como o terceiro mercado mundial em consumo de casas de apostas, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.


Pesquisadores e integrantes do setor creditam a atratividade do mercado de apostas brasileiro a uma série de fatores, entre eles o apelo a uma paixão nacional, o futebol; o atraso em regulamentar a área; a possibilidade turística para cassinos físicos; o tamanho da população economicamente ativa; e a desigualdade social existente no país.

“O Brasil não é só um mercado interessante, ele é considerado uma das joias da coroa do mercado de aposta mundial, principalmente se levarmos em consideração que o país está sem jogo legalizado há quase 80 anos”, defende Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL).

Nesta terça-feira (01/10), o Ministério da Fazenda publicou uma lista com todas as empresas de bets e apostas aptas a operar no Brasil até dezembro. A lista inclui 89 empresas com respectivamente 193 bets (marcas) que vão continuar operando no país. O governo federal também solicitou informações aos estados, que registraram seis empresas com respectivamente seis bets.

Todos os outros sites que não foram incluídos na lista não poderão mais divulgar ofertas e serão proibidos no país. Eles permanecerão no ar por dez dias, para facilitar o pedido de devolução do dinheiro de apostadores. A partir de 11 de outubro, eles começarão a ser derrubados, com auxílio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Aqueles que não pediram autorização de licença ao ministério passarão a ser classificados como ilegais. Quem solicitou atuar no Brasil, mas não estava funcionando ainda, deverá aguardar até 2025. Até lá, a pasta analisará todos os pedidos de licenciamento.

"A medida proporciona mais segurança para a sociedade e para as empresas que querem operar adequadamente no Brasil. Com isso, protegemos a saúde mental e financeira dos jogadores", ressaltou Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas do ministério, em nota.

A lei de 2018 previa uma regulamentação para o setor de apostas entre dois a no máximo quatro anos, mas apenas em fevereiro de 2023 o país começou a estabelecer as regras de funcionamento das bets esportivas e jogos similares.

Para tanto foi criada uma agenda regulatória, que incluiu a publicação de 11 portarias até setembro deste ano com normas para licenciamento, marketing, fiscalização, entre outras.

O governo federal havia estabelecido que a partir de janeiro iria banir as empresas que não tivessem a licença de operação concedida, mas pesquisas apontando o dano financeiro e de saúde na população, bem como investigações sobre lavagem de dinheiro envolvendo o mundo das bets e influenciadores digitais, anteciparam a medida.

Representantes do setor, Magno José, defendem que a ausência de regulamentação foi o que catapultou o Brasil no mercado internacional de jogos de azar. Ele estima que haja mais de 2 mil sites em funcionamento. Para José, os recursos que poderiam ter sido investidos na compra de outorgas e gerar tributos ao Estado acabaram direcionados para publicidade e marketing, o que tornou o mercado selvagem e nocivo, além de permeado por sites ilegais.

De acordo com o professor do Departamento de Sociologia e Metodologia e Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcelo Pereira de Mello, a ausência de regras no mínimo facilitou uma corrida para abrir empresas da área. “Uma regulamentação frouxa e a falta de experiência da gestão pública serviram como estímulo para a criação de muitas empresas de fundo de quintal”, afirma.

O Brasil vive historicamente uma relação de amor e ódio com os jogos de azar. Tanto que a proibição de Dutra, em 1946, não foi a única a ocorrer no país. Por outro lado, a inexistência dos cassinos online nunca limitou totalmente os jogos de azar, que permaneceram ocorrendo por vias lícitas ou ilícitas, seja na loteria federal ou com o jogo do bicho.

De acordo com Mello, do ponto de vista sociocultural não há nada que faça o brasileiro ser mais propenso a jogar em comparação a outros mercados mundiais. “Aqui se joga como em qualquer outro país. Os jogos de aposta são uma tradição das sociedades humanas, de maneira geral”, diz.

Autor do livro Criminalização dos Jogos de Azar - A História Social dos Jogos de Azar no Rio de Janeiro, Mello ressalta inclusive que o Brasil sempre viu os jogos de azar pela perspectiva conservadora. Contudo, ele lembra também que esse tipo de negócio sempre esteve vinculado a políticos.

“Pode parecer um paradoxo, mas isso é explicado por outra característica da política brasileira, que é o fisiologismo. Houve uma intensa atuação de lobbies relacionados a apostas, com promessas de favorecimento a diversos grupos dentro do Congresso Nacional”, acrescenta.

Outro fator apontado como importante nessa equação é a paixão do brasileiro por futebol, já que as apostas em eventos esportivos representam parte significativa desse mercado. Empresas do setor começaram a realizar propaganda em diversos eventos desde 2018 e patrocinam pelo menos 30 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, incluindo Flamengo e Corinthians.

“É um mercado novo, que explora uma paixão nacional. As pessoas podem pensar que aquilo não é um jogo de azar, mas de conhecimento técnico sobre o esporte, o time, os jogadores”, afirma Mello. De acordo com José, 80% dos apostadores brasileiros são considerados recreativos, ou seja, que apostam em pequenas quantias. “É aquela coisa de mandar no grupo de amigos que apostei no time que ganhou”, diz.

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio de Janeiro, lembra, contudo, que faltam dados comparativos com outros países para cravar se a paixão do brasileiro por futebol move mais apostas do que em outros países onde acontece o mesmo fenômeno.

“Independentemente disso, é uma novidade, e tudo o que é novo atrai atenção. Além disso, o mundo das bets está entrando com muita publicidade agressiva”, diz Dias.

Com a regulamentação do mercado, as bets vão precisar ter sede no Brasil e licenciamento para seguir patrocinando os times de futebol e outros eventos esportivos. Em outros países, como no Reino Unido, o patrocínio das casas de apostas foi proibido de ser estampado nas camisas dos clubes a partir de 2026.

“A gente vê grandes jogadores de futebol, da seleção, vinculando suas imagens às apostas esportivas. Além disso, a gente tem anúncio em tudo quanto é canto, num ambiente sem categorização de idade”, afirma Rodrigo Machado, psiquiatra e coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

Em 1920, o então presidente Epitácio Pessoa chegou a liberar os cassinos, mas só em balneários, para fomentar o turismo e custear o saneamento básico no interior. Mas tanto os estados quanto o Governo Federal fecharam vários dos hotéis-cassinos, que só voltaram a ser estimulados a partir de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas.

Agora, com o mercado online efervescente, há a expectativa de que o país também volte a aceitar os espaços físicos de apostas. E ter um litoral vasto é considerado um ativo interessante para a eventual instalação de cassinos físicos.

O Congresso discute um projeto de lei para regulamentar o jogo do bicho, a corrida de cavalo e os cassinos. O texto do PL 2.234, de 2022, é uma versão do PL 442, que tramitava desde 1991 e foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2022. O documento está em tramitação no Senado, com última movimentação no início de agosto deste ano.

Representantes de empresas com atuação em Las Vegas, como o presidente da Caesars Sportsbook no Brasil, André Feldman, têm realizado encontros com senadores e integrantes da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.

Segundo a ferramenta Agenda Transparente, da Agência Fiquem Sabendo, Feldman realizou pelo menos três encontros com representantes do Executivo e Legislativo desde 2023. A última delas no dia 4 de setembro, com o senador Rogério Carvalho (PT/SE) e integrantes do MF. Já Alex Pariente, vice-presidente sênior do Hard Rock International para hoteis e cassinos, encontrou-se em maio com representantes do MF.

“Estamos num país que tem muitas belezas naturais, então, se forem aprovados os cassinos presenciais, é um mercado fantástico para instalar resorts e cassinos e fomentar o jogo de azar presencialmente”, lamenta Machado.
Desigualdade social como pano de fundo

A pesquisa do DataSenado mostra que o perfil principal de apostadores no Brasil são pessoas do sexo masculino, entre 16 e 39 anos, que ganham até dois salários-mínimos. Entre as pessoas que apostaram, cerca de 58% estão com dívidas em atraso há mais de 90 dias.

Os dados corroboram as pesquisas já divulgadas pela SBCV e o Banco Central sobre o perfil de quem está se tornando consumidor nesse mercado. Para os pesquisadores entrevistados pela DW, são estatísticas que revelam o papel da desigualdade social na proliferação das bets.

“A camada social mais pobre é mais vulnerável a esse tipo de atividade, pois são pessoas que muitas vezes estão endividadas ou querendo fazer uma grana extra, que estão com a corda no pescoço”, afirma Dias.

Mello ressalta também as desigualdades educacionais como fato. “No Brasil, os mais pobres são também os que têm menos escolaridade formal. Essas empresas prometem enriquecimento, mudança de padrão de vida a uma população desesperançada. Então, a expectativa de ascensão social se dá por esse meio”, diz.