sábado, 12 de abril de 2025

Extrema direita leva o mundo ao abismo

Os piores pesadelos estão se realizando neste início do governo Trump. Antes de sua posse, boa parcela do mercado financeiro, empresários de toda parte e políticos brasileiros que se dizem moderados sem conseguirem ter autonomia em relação a Bolsonaro acreditaram que o pragmatismo venceria. Naturalizaram o extremismo, e o mundo vai passar pela tempestade política mais terrível desde o nazismo. Para sairmos dessa desgraça, é preciso entender a perversidade e o desastre contidos no modelo político e de políticas públicas da extrema direita.

A extrema direita hoje abarca grupos de várias partes do mundo, crescendo na Europa, mas não tendo ainda vencido as eleições por lá, e está no poder na Hungria, na Argentina e nos EUA, como já esteve no Brasil. Há diferenças entre partidos e lideranças extremistas por conta de características locais - os imigrantes não são um tema no caso brasileiro, por exemplo. De todo modo, em todas essas experiências há uma característica central: uma liderança populista, carismática, iliberal e com um projeto autocrático. Seus seguidores e asseclas obedecem caninamente ao chefe.
Não há espaço para dissenso entre os extremistas e os que têm a petulância de expressar uma pequena discordância são tratados como inimigos e abandonados pelo chefe maior. Movimentos políticos que não aceitam qualquer divergência são, por natureza, antidemocráticos, sejam de direita ou de esquerda. Pior do que isso: se um grupo dominado por uma liderança inconteste elimina o debate e a diferença entre seus membros, é bem provável que cometa muitos erros e nunca aprenda com eles, aceitando como autômatos todas as decisões e falas do líder extremista. Foi assim com Bolsonaro no Brasil, e esse comportamento tem se repetido com Trump, pois os republicanos e assessores presidenciais foram transformados em sujeitos sem voz ou capacidade de reação.

A primeira característica do modo de fazer política da extrema direita é uma liderança inconteste com seguidores completamente fiéis e praticamente sem individualidade. Cabe ressaltar: são milhares de apoiadores de primeira linha e milhões de votantes que seguem esse rumo. Como angariam tamanho apoio? A explicação está na criação de inimigos internos e externos que assustem o “homem comum”, alimentando ressentimentos e ódios numa parcela grande da população que se vê derrotada frente à modernização econômica e de costumes.

A criação desses “monstros” internos e externos tem sido um dos grandes instrumentos da ascensão da extrema direita. Imigrantes, China, diversidade, comunistas, intelectuais, feministas, conhecimento científico e globalização são, para citar um conjunto relevante de fantasmas, colocados no altar daquilo que deve ser cotidianamente combatido. Cria-se um sentimento de luta diária e ininterrupta, um modelo bélico de se fazer política, fortemente impulsionado por uma linguagem polarizadora nas redes sociais. A cada dia, Trump ou Bolsonaro precisam derrotar e exterminar um desses inimigos, usando algum tipo de “motosserra” contra eles.

O modelo beligerante está no coração de cada um dos seguidores e é utilizado pela liderança extremista para enfraquecer a democracia e criar uma “geopolítica dos escolhidos” - um novo “eixo do bem” entre as nações. É exatamente isso que Trump está fazendo: enfraquecendo as instituições e a sociedade civil americanas e só aceitando como parceiros na ordem internacional os países que disserem amém às suas propostas.

É interessante notar como a extrema direita funciona ao estilo de uma máfia, com um poderoso chefão, auxiliares que fazem o trabalho sujo (um Musk ou um Pazuello) e utilizando a ameaça constante como método de se fazer política. De forma milimétrica o cientista político Cláudio Couto chamou esse modelo chantagista e mafioso de “extorsocracia”, a política como extorsão dos outros, geralmente dos inimigos ou grupos que se quer subjugar, mas por vezes também dos aliados, como Bolsonaro tem feito com os governadores de direita que querem o seu apoio para uma futura disputa presidencial - ou apoiam a anistia do chefe ou serão massacrados pelos bolsonaristas.

O resultado desse modo de se fazer política da extrema direita é, na melhor das hipóteses, o enfraquecimento da democracia, ou, na pior das possibilidades, a construção de uma autocracia iliberal. Esse é o sonho de todo líder extremista contemporâneo, e talvez por isso todos eles venerem o governante húngaro, Viktor Orbán, que chegou ao nirvana que almejam. No íntimo, num raciocínio impensável para quem viu o Muro de Berlim cair, essas lideranças ocidentais extremistas gostariam mesmo de ser Vladimir Putin, este sim um chefe sem freios e poderoso.

O que deve ser dito em alto e bom som é que a naturalização da extrema direita gera líderes autoritários e narcisistas, que comandam uma parcela grande da população que os obedece caninamente, por meio de um modelo bélico e mafioso (a “extorsocracia”) de governar países e destruir os laços de confiança da ordem internacional, e cujo objetivo final é acabar com a democracia liberal, numa espécie de revolução profunda e distópica contra a ordem internacional criada pelo mundo ocidental no pós-guerra.

Passar o pano para tais lideranças e ideias extremistas é uma forma de suicídio coletivo que parcela importante de empresários, de gente do mercado financeiro, da mídia e até intelectuais têm cometido nos últimos anos. Sempre lembro que é preferível ser Churchill, que enfrentou com “sangue, suor e lágrimas” o nazismo, a Chamberlain, o primeiro-ministro britânico que evitou o confronto com Hitler porque o mundo se consertaria sozinho. Transportando esse raciocínio para o Brasil, ninguém sai incólume do apoio ao ideário iliberal e autoritário de Bolsonaro, com sua anistia que pretende apagar a tentativa de golpe de Estado. Como estão faltando Churchills na política brasileira!

Se o modo de fazer política da extrema direita é uma perversidade contra a democracia e o modelo ocidental do pós-guerra, seu desastre deriva da forma como lida com as políticas públicas. É preciso ressaltar que os extremistas atuais não são apenas autoritários, como também são fortemente incompetentes, como estamos vendo na absurda guerra das tarifas proposta por Trump, que vai desorganizar a ordem econômica internacional e a própria economia americana.

A incompetência nas políticas públicas dos extremistas inicia-se por sua visão negativa da ciência e dos especialistas. Nos últimos anos e cotidianamente, os missionários da extrema direita espalham fake news e ideias absurdas sobre o funcionamento do mundo e de suas principais instituições. Quando chegam ao governo, precisam reproduzir esse modo de pensar para manter a legitimidade de sua visão de mundo. O problema é que o negacionismo em políticas públicas cobra um preço muito alto em termos de desempenho governamental. Foi assim na pandemia de covid-19, tem sido do mesmo modo na forma como Trump fracassa na economia. Isso para não falar do legado trágico que vão deixar ao meio ambiente, com consequências futuras terríveis.

A extrema direita não só ignora a ciência como ataca suas bases, especialmente a universidade e a burocracia formada por especialistas. O ataque trumpista às principais instituições universitárias americanas pode causar uma fuga de cérebros e a perda da principal vantagem dos Estados Unidos no pós-guerra: sua superioridade no conhecimento científico e tecnológico. Na mesma toada, a quase extinção do Departamento de Educação revela um país que não conseguirá ter um projeto alvissareiro de futuro para seus filhos e netos. Criar uma área para pretensamente melhorar a eficiência governamental foi a maneira pela qual o trumpismo pretendeu evitar que a técnica fosse uma barreira ao seu projeto megalomaníaco e autocrático.

Políticas públicas bem-sucedidas baseiam-se em evidências, em gestão bem-organizada e em mecanismos de governança colaborativa, a partir da qual o governo articula os diversos atores que participam das questões coletivas. Tudo isso é o oposto do que o trumpismo e o bolsonarismo seguem, o que leva seus governos a estratégias estéreis de confronto político-social e à negação da ciência, redundando em desastres governamentais. Os americanos terão mais inflação e/ou recessão, do mesmo modo que as políticas bolsonaristas aumentaram a pobreza, pioraram a educação e destruíram a máquina pública e o meio ambiente.

O padrão de política e políticas públicas da extrema direita pode levar o mundo para o abismo, especialmente quando adotado pela maior potência do mundo, com efeitos incalculáveis para cada parte do planeta Terra. Trump é a combinação de autoritarismo com incompetência, e o bolsonarismo é a reprodução disso na escala brasileira. Tentar retornar à trilha bolsonarista ou apoiar-se nela para se chegar ao poder é colocar o Brasil à beira do precipício. Se muitos estão cegos para os impactos do extremismo, os dois últimos meses da loucura americana mostraram como é perigoso ignorar seu real significado. Espero que nos lembremos disso nas eleições de 2026.

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