O ecofascismo ganha espaço à medida que o colapso ambiental é reconhecido por segmentos da extrema-direita como uma oportunidade de reorganizar a sociedade sob lógicas autoritárias. Combinando discursos ambientalistas com manifestações racistas e nacionalistas, o ecofascismo se manifesta por meio da proposição de políticas que tratam da preservação dos recursos naturais — compreendida aqui segundo o discurso neoliberal da “economia verde”, “capitalismo verde” e “desenvolvimento sustentável” —, mas apenas para seu “grupo referente”: masculinista, rico e branco. Isso ocorre em detrimento da inclusão de pessoas racializadas, mulheres, corpos dissidentes e pessoas LGBTQIAPN+. Nesse contexto, a emergência climática é instrumentalizada para justificar restrições migratórias e negar a responsabilidade histórica dos países mais ricos nas emissões de carbono.
A ascensão da extrema-direita na última década é um fenômeno global, especialmente nas democracias ocidentais. Esses movimentos compartilham características como a construção de um “Outro” – um inimigo a ser combatido – e a defesa de ideias masculinistas e supremacistas brancas. Por outro lado, existem características específicas deste avanço no contexto brasileiro, onde a extrema-direita emerge a partir de um histórico que combina a consolidação de um liberalismo escravocrata, regimes autoritários recorrentes e o pacto das elites em torno da branquitude. Essa herança molda os valores da extrema-direita brasileira, que identifica como inimiga dos povos originários, comunidades tradicionais, mulheres, movimentos sociais, pessoas negras e LGBTQIAPN+.
Enquanto nos EUA e na Europa o “Outro” a ser enfrentado é frequentemente representado pelo imigrante – figura que ameaça a estabilidade econômica e cultural ao ser percebida como parasitária ao Estado de bem-estar e portadora de valores incompatíveis com as democracias ocidentais -, no Brasil, a ascensão ecofascista assume contornos próprios. Aqui, ela opera como uma articulação mais profunda entre a masculinidade enquanto regime de poder, o capitalismo extrativista e a exploração da natureza e seus povos. A dominação da natureza, neste contexto, não é apenas prática econômica, mas uma tecnologia de controle territorial e social, impulsionada pelo agronegócio, que funciona como expressão da lógica produtivista e extrativista, transformando a destruição ambiental em um símbolo de afirmação supremacista e masculinista.
O ecofascismo à moda brasileira, portanto, consolida-se não só pela política, mas pela captura dos desejos frustrados em uma sociedade precarizada, oferecendo ordem, potência e pertencimento por meio da exploração violenta da terra e dos corpos que dela dependem. A conexão entre o agronegócio e a extrema-direita não é recente, antes mesmo da ascensão de Jair Bolsonaro (PL), o setor já liderava ataques às políticas de reforma agrária e às alianças com o Estado para desarticular os movimentos sociais. No entanto, é a partir do governo Bolsonaro que essas alianças se fortalecem, consolidando-se e se institucionalizando por meio da aprovação de projetos como o marco temporal e o “pacote do veneno”.
Em verdade, o governo Bolsonaro não apenas fortaleceu uma nova direita brasileira – em que pautas ultraneoliberais e autoritarismo se mesclam – como também consolidou um ecossistema cultural que se expressa na figura do “homem do agro”: um arquétipo masculinizado, armado, viril e produtor. Essa estética de força e controle territorial não é apenas retórica, ela opera como dispositivo de poder simbólico e material, articulando desejo, identidade e violência. O ressentimento, antes sustentáculo afetivo da extrema-direita, cede lugar a uma performatividade bélica e produtivista, que naturaliza a devastação como ato de soberania. A imbricação entre a masculinidade como regime de poder e o capitalismo gore movimenta uma economia libidinal, através da mobilização dos desejos e dos corpos para essa nova zona de engajamento.
Nesse rearranjo, o agronegócio atua como aparelho ideológico de dominação, produzindo uma masculinidade branca, cristã hegemônica que se afirma pela violência contra a natureza e seus povos. Essa estética, sustentada por símbolos como o chapéu de cowboy, o rifle, trator, e até mesmo motosserra, performa uma promessa de pertencimento diante da precariedade social e subjetiva. Não por acaso, supremacistas como Trump, Milei e Bolsonaro apresentam discursos que enaltecem o “plano motosserra”. Bolsonaro se autointitulou como “capitão motosserra”, já Milei frequentemente aparecia em comícios portando um motosserra. Em fevereiro deste ano, Musk, convocado a reduzir o tamanho do governo trumpista, apareceu no palco da Conferência de Ação Política Conservadora em National Harbor, com a motosserra que ganhou de Milei, cujo slogan gravado no instrumento registrava “Viva la libertad, carajo”.
O agronegócio também desempenhou um papel crucial no financiamento de movimentos golpistas, como há muito tempo denuncia o site de olho nos ruralistas, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – também chamado de “Agrogolpe”-, onde mais de 50% dos votos favoráveis vieram da Bancada Ruralista, além da admissão/recusa da abertura de processos contra o ex-presidente Michel Temer, e campanhas eleitorais, incluindo a de Bolsonaro, que recebeu R$1,2 milhão de reais de 4 fazendeiros nas últimas eleições presidenciais. Já, em relação à intentona golpista do 8 de janeiro, especula-se através das investigações realizadas pela Polícia Federal que empresários do setor foram citados como financiadores dos atos golpistas, evidenciando o vínculo entre os interesses econômicos do agronegócio e os ataques à democracia.
É por meio desta aliança entre o agronegócio e os interesses da extrema direita que a exploração de territórios e seus povos é executada, mesmo diante da emergência climática, evidenciada por mudanças drásticas de temperatura, alternando entre períodos de grandes secas e chuvas intensas. Essas alterações extremas, provocadas pela intensificação do aquecimento global causado pela atuação de atores poderosos (Estados e corporações ligadas ao agronegócio), resultaram em inundações devastadoras que causaram danos ao redor do mundo, destruindo casas e vidas humanas e mais-que-humanas. Um exemplo recente ocorreu no Rio Grande do Sul, onde as enchentes de 2024 afetaram 95% dos municípios do estado, resultando em prejuízos estimados em R$ 88,9 bilhões, com impactos significativos nos setores produtivo, social, infraestrutura e meio ambiente. As chuvas intensas causaram 183 mortes e deixaram 27 pessoas desaparecidas. Além disso, mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas, com milhares de desabrigadas e danos extensivos à infraestrutura local.
No cenário global, o Brasil ocupa a sexta posição entre os maiores emissores de gases de efeito estufa. Enquanto a indústria de combustíveis fósseis é o principal vilão nas discussões climáticas globais, aqui o agronegócio lidera as emissões, especialmente devido ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado brasileiro, e à criação intensiva de gado. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG), 74% das emissões brasileiras estão diretamente ligadas ao setor.
As redes sociais, por sua vez, tornaram-se o terreno fértil para a disseminação de desinformação ambiental e climática, com o apoio direto de líderes globais da extrema-direita. A pressão crescente pela flexibilização de políticas de controle nas grandes plataformas contribui para amplificar discursos de ódio e narrativas negacionistas sobre o clima. Apesar disso, entretanto, o negacionismo não é algo novo, mas um resquício do colonialismo que ganha força no projeto político da extrema-direita ao promover a destruição humana e ambiental. Essa lógica reflete o desprezo pelo saber e pelas múltiplas existências, que se infiltram nos mais variados setores e grupos da sociedade.
Como diz Ailton Krenak “Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos”.
A citação de Krenak revela como a lógica colonial e capitalista destrói não apenas territórios e vidas, mas também sentidos, experiências e sonhos. Essa “humanidade zumbi”, que rejeita a diversidade e a vitalidade da existência é a mesma que impulsiona a guerra colonial contra a natureza, promovida pela extrema-direita em aliança com o agronegócio e grandes corporações. Essa é uma luta desigual, que despreza saberes ancestrais, territórios e diferenças, criminalizando, perseguindo e atacando os verdadeiros defensores da vida.
É por isso que o conceito de “guerra colonial contra a natureza”, inspirado na expressão de Eliane Brum, se torna tão importante neste estado atual de coisas. A palavra colonial situa a forma pela qual a destruição massiva da natureza e seus povos são mobilizados pelos interesses econômicos dos atores poderosos. Quando falamos em natureza, ratificamos a ideia de que ela está interconectada e integrada aos povos e seus territórios, sem os quais ela não poderá se manter em pé, e, consequentemente, manter as possibilidades de vida e existência na Terra em pé.
Nesta guerra, os principais “inimigos” a serem combatidos são os grupos que contrariam a lógica do capitalismo neoliberal e de mercantilização da natureza, todos aqueles e aquelas que lutam pela proteção das florestas, rios, montanhas, árvores e animais. Sem eles, não há futuro para o planeta. Em tempos de emergência climática, resistir a essa lógica colonial é um passo fundamental para reimaginar formas mais justas de coexistir no planeta, enfrentando os negacionismos, e lutando contra a continuidade da exploração de seres humanos e mais que humanos.
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