Há quase 40 anos os Titãs viralizaram com seu disco Cabeça de Dinossauro. De uma vez só cutucaram instituições tradicionais como a religião, a política, cultura, sociedade e família. Acontece que, quatro décadas depois, a música “Bichos Escrotos” ainda parece fazer sentido.
Contudo, não nos enganemos, há uma inteligência sofisticada no comando de toda essa encenação aparentemente folclórica que emoldura as festividades da posse norte americana. Um esforço coordenado para banalizar e naturalizar as mais diferentes expressões de retrocesso político e desconstrução cultural. É desse modo que, como diriam os Titãs, os ratos entram nos sapatos do cidadão civilizado.
Está nascendo ali um laboratório de Estado ultracapitalista de última geração, movido por IA e computação quântica. Não confundir com o anarcocapitalismo de Javier Milei nem com o neoliberalismo de Tatcher, que no contexto atual mais parecem com teses colegiais. Trump e seus ministros digitais propõem uma espécie de monarquia sem rei, um vale-tudo onde o núcleo central é pilotado diretamente por neobilionários e influencers que parecem ter saído direto do filme “O Lobo de Wall Street” para ocuparem Washington D.C.
O próprio Trump ressurge em ritmo de elefante em loja de louça, bagunçando em instantes um projeto de mercado e um equilíbrio geopolítico que o próprio Tio Sam vinha construindo nos últimos 250 anos, ao custo de sangue, suor e lágrimas (dos outros, é bem verdade). Por exemplo, ao sair do Acordo de Paris e da OMS, enquanto amedronta imigrantes latinos e ameaça países vizinhos, o verdadeiro recado está dado: vamos passar a boiada e acelerar a concentração de riqueza nas mãos de pouquíssimos.
Ao mesmo tempo, as saudações nazistas e o grito de liberou-geral de Musk, Zuckerberg, Bezos e Bannon dão o tom e o clima da nova era (aos amigos tudo, aos inimigos a lei). Mas servem também como gestual ritualista dos novos líderes e seus seguidores. Um conjunto estético pouco sutil e de gosto duvidoso, típico do marketing político dos anos 1930, dessa vez turbinado pelas redes digitais. É o que o italiano Paolo Demuru aponta em seu livro “Políticas do Encanto” (2024).
O modelo se reproduz mundo afora, inclusive no Brasil, fazendo mais sucesso entre a direita, escolhendo seus inimigos nacionais, sejam os palestinos, os comunistas, os imigrantes, os não-brancos, a bandidagem, os ucranianos ou quaisquer outros que sirvam como distração racial enquanto segue o baile da desigualdade social e da mudança climática.
No fim das contas, o esgarçamento da ordem mundial globalizada que predominou especialmente durante a Guerra Fria, dá a vez a um cenário caótico de transição para um arranjo geopolítico e econômico ainda indefinido, que – na ausência de um novo modelo amadurecido – deixa espaço para essas iniciativas passionais de lideranças e elites inconsequentes. Esquecem-se que, em se tratando de aquecimento global e pobreza, não há quem cuspa pra cima que não lhe caia na cara.
Enquanto isso, resta aos mais atentos seguirem o exemplo dos Titãs e exigirem que as baratas nos deixem ver suas patas, antes que os bichos escrotos venham enfeitar nosso lar.
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