Pois ela existe, é pandêmica e atende por “nomofobia” (do inglês “no mobile phobia”): medo irracional de ficar sem o celular — ou sem conexão. Você pode estar infectado — e só se dará conta quando se vir privado do aparelho ou do sinal. O que fazer naqueles intermináveis 90 segundos de espera pelo elevador? Como sobreviver a 20 minutos no metrô, tendo (na ausência de um livro salvador) de entrar em contato com os próprios pensamentos?
A nomofobia pode estar associada ao FoMO (“fear of missing out”), o medo (igualmente irracional) de perder algo por não conseguir acompanhar em tempo real tudo o que é divulgado na internet. Vai que uma subcelebridade se separou ou fez uma tatuagem — ou, pior, se separou e removeu a tatuagem! — e você ainda não está sabendo? E se tiver nascido um panda num zoológico holandês, e você só for informado disso depois do expediente?
A dependência digital se tornou um problema sério nas escolas, pelo impacto negativo na memória e na concentração, prejudicando o desempenho dos alunos (e infernizando a vida dos professores). Seguindo a tendência mundial, no Brasil vêm sendo aprovadas leis para proibir o uso de celulares, tablets e smartwatches (exceto quando necessários às atividades curriculares), seja durante as aulas, seja nos intervalos.
Mas o mau uso desses eletrônicos não se restringe ao ambiente escolar. É difícil encontrar um policial ou guarda de trânsito no Rio de Janeiro que não esteja de celular na mão, subindo a tela, teclando, completamente absorto. Talvez sirva para aliviar a tensão — mas impede a percepção de atitudes suspeitas e compromete o tempo de reação numa emergência.
Sem falar nas pessoas que assistem a vídeos, sem fones de ouvido, no transporte coletivo ou que fazem e recebem chamadas em cinemas e teatros — atrapalhando o público, o sábado, o espetáculo.
Em 1883, abismado com a falta de educação dos usuários dos bondes, Machado de Assis escreveu, na Gazeta de Notícias, uma lista de regras de comportamento. Entre elas, escarrar apenas para o lado da rua (“salvo em caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação etc., etc.”); sentar de pernas fechadas (ou pagar pelos dois lugares); ler o jornal “sem roçar as ventas dos vizinhos”; não contar dos seus negócios íntimos “sem primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência se ele é assaz cristão e resignado”; ao dizer alguma coisa em voz alta, ter “o cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras” e por aí afora.
Seria de bom alvitre atualizar seu decálogo, adaptando-o ao uso civilizado do celular. Isso pode incluir campanhas educativas ou políticas restritivas, o estímulo ao uso de aplicativos que monitorem o tempo de tela ou, se tudo o mais falhar, a ativação do semancol — aquele santo remédio contra a ausência de bom senso.
Um detox digital viria bem a calhar. É melhor que repetir de ano, deixar o ladrão escapulir, levar uma descompostura do passageiro (ou espectador) ao lado ou ter de tratar todos os sintomas do primeiro parágrafo.
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