domingo, 7 de abril de 2024

O espetáculo da morte estúpida

"Viver é muito perigoso." É o mote repetido insistentemente no monólogo de Riobaldo no "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa. Não deixa de ser uma tirada à conselheiro Acácio, como notou Nelson Rodrigues, mas revela uma realidade inescapável. "São demais os perigos desta vida", confirmou Vinicius de Moraes no "Soneto do Corifeu". Conselhos desnecessários para quem habita qualquer canto do Brasil.

Não é só a guerra entre bandido e polícia que mata gente inocente. Estão aí, soltas, as pedras portuguesas. Apesar da beleza, elas são conhecidas entre os cariocas como pedras assassinas. Desapareceram os mestres calceteiros, que consertavam com perícia as ondas do calçadão de Copacabana ou uma simples passagem. O poeta Hermínio Bello de Carvalho, que acaba de completar 89 anos, levou um tombo em Botafogo, feriu a vista, lesionou a coluna e está no estaleiro.


Além das calçadas, há os choques mortíferos. Uma vítima recente foi Leonardo da Silva, porteiro em Ipanema, casado, pai de uma adolescente de 14 anos, que encostou num poste, recebeu uma descarga e bateu com a cabeça no chão. O ano passado registrou 853 acidentes graves por choque elétrico no país; 592 pessoas morreram. Na maioria dos casos os fios de postes, desencapados, são os vilões.

O cenário criminoso é aquele que todos estão cansados de saber: ligações clandestinas, sobrecarga, falta de manutenção preventiva, a exposição e o furto de fios e cabos e, sobretudo, o péssimo serviço prestado pelas distribuidoras de energia. Se não conseguem fornecer nem a luz, quanto mais garantir a segurança da população.

No espetáculo da morte estúpida, as selfies são imbatíveis. Em 2023, 17 pessoas perderam a vida tirando fotos de si mesmas em encostas e mirantes do Rio. Há um termo em inglês para definir a fatalidade: killfie. Pensando bem, Riobaldo estava certo em seu acacianismo: "Viver é muito perigoso".

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